Comportamento sexual dos machos
(sistema extensivo e semi-intensivo)
Em sistema extensivo de criação, o macho demonstra intercalar períodos de cortejo sexual a períodos de desinteresse pelas fêmeas, quando ele está descansando, comendo, bebendo ou se espojando. Durante o período diurno, ocorrem vários períodos de cortejo sexual, e estes frequentemente se iniciam com a vocalização do macho. Observações realizadas em sistema de monta a campo nitidamente sugerem que, com a vocalização, as fêmeas estariam liberadas para se aproximar do macho dominante. A reação de aproximação após a vocalização somente é realizada por fêmeas que estão em um período próximo ao início do cio ou em cio propriamente dito. Poucas vezes foi observado o macho se deslocando por uma distância considerável à procura de fêmeas; esse deslocamento de fato ocorre e geralmente resulta em perseguição, quando da aproximação de um macho intruso (Henry et al., 1991).
Com a aproximação das fêmeas, o macho dominante inicia o cortejo e a interação com elas, podendo este se estender, dependendo do número de fêmeas em cio, por até mais de meia hora. O cortejo sexual se inicia com a aproximação do macho abordando as fêmeas pela frente; a visão e a olfação são os sentidos em uso (Gastal et al., 1996). A olfação inicialmente é nasonasal, passando o macho na sequência a cheirar o pescoço, o flanco, terminando pela área perineal da fêmea. Também é observado que o macho mordisca as fêmeas nas diversas partes do corpo. A área que geralmente merece maior atenção do macho é o períneo, quando a fêmea em cio, que estimulada pelo macho, pode vir a urinar. Frequentemente, nesta abordagem, o macho executa um movimento de elevar a cabeça com rotação parcial do pescoço e realiza a eversão do lábio superior (Henry et al., 1991, 1998; Gastal et al., 1996). Esse movimento é conhecido como “reflexo de Flehmen” e serve para direcionar moléculas em suspensão (ferhormonios) para dentro de um órgão denominado vomeronasal, localizado na parte superior dos seios nasais, próximo ao cérebro. O vomeronasal transforma mensagens químicas em estímulos nervosos que são interpretados pelo cérebro. Algumas dessas moléculas são liberadas especificamente próximas à ovulação e representam mensagens indicativas de receptividade sexual (Keller et al., 2009).
Quando da presença simultânea de várias fêmeas em cio, o macho, geralmente, realiza esta sequência de comportamentos em todas elas antes de se preparar para a cópula. É muito frequente observar que, posteriormente a esta primeira abordagem, o macho demonstra a intenção de montar ou até chega a montar determinadas fêmeas receptivas apoiando o seu peito na garupa, sem, no entanto, apresentar qualquer ereção do pênis. A interpretação dada para este comportamento é que o macho estaria, desta forma, avaliando o grau de receptividade da fêmea. Ao macho montar nas fêmeas, as que estiverem receptivas permanecem paradas e, na sequência, passam a demonstrar outras atitudes de receptividade. Uma vez montado e quando não sofre rejeição ele assim permanece por vários segundos até espontaneamente desmontar. Este comportamento se repete inúmeras vezes durante o cortejo sexual e é tentado ou realizado com a grande maioria se não todas as fêmeas que são abordadas. Em um estudo realizado colocando machos na presença de várias fêmeas em cio (até nove, simultaneamente), chegou-se a observar uma média de 16 montas sem ereção por períodos de até 12 horas de observação consecutiva (Henry et al., 1991, 1998).
Considerando que o comportamento de monta sem ereção é frequentemente realizado e que também é expresso pelos garanhões durante o cortejo sexual, é interessante chamar a atenção o quanto muitas vezes os que lidam com os reprodutores em sistema de monta controlada erram. É muito comum observar que os reprodutores são impedidos de executar a monta sem ereção. Além disto, não é raro observar que a forma como o comando inibitório é dado chega a ser violenta, abrindo a possibilidade de se estar criando desvios comportamentais indesejáveis.
Uma particularidade do período de cortejo sexual em asininos é ver o macho se afastar das fêmeas abruptamente, a passo ou correndo, após um período de interação com elas. A distância percorrida é variável, mas chega a ser de 20 a 30 metros. Afastado, o macho pasta ou fica parado em um estado de aparente desinteresse pelas fêmeas. No entanto, durante este período, é observado que ele realiza repetidas exteriorizações parciais do pênis e assim ele permanece, até que as fêmeas voltem a se aproximar dele. Ao se aproximarem, as fêmeas deflagram um novo período de interação entre eles. Após vários períodos de cortejo, o macho, afastado das fêmeas, entra em ereção e, na sequência, se dirige para uma fêmea em cio para cobri-la, não necessariamente a mais próxima. A cópula propriamente dita é muito similar àquela realizada por garanhões (Henry et al., 1998).
Após a cópula, o jumento se afasta do grupo de fêmeas e, por um período que pode se estender por mais de uma hora, ele fica isolado, sem demonstrar qualquer interesse. Durante esta fase, é nítido que a fêmea recém-coberta e as demais em cio não se aproximam dele, ficando nas imediações pastando ou em um visível compasso de espera. Todo o conjunto de ações de um novo período de cortejo sexual é deflagrado somente após uma vocalização realizada pelo macho (Henry et al., 1991).
Convém chamar a atenção para a importância de se respeitar o tempo de cortejo sexual prévio à copula, já que é parte integrante das condutas inerentes à espécie. Em avaliações comportamentais realizadas em sistema de monta a campo, a estratégia traçada era manter o jumento preso à noite para avaliar o seu potencial durante o dia. Poder-se ia esperar que, ao reintroduzi-lo no grupo de fêmeas estando algumas em cio, a cópula seria uma de suas primeiras atitudes. De fato, mesmo com a plena liberdade de decisão, poucas foram as vezes em que o jumento iniciou sua jornada pela cópula, sendo o tempo médio para realização da primeira cópula do dia de 40 minutos para um jumento e de 26 minutos para um segundo (Henry et al., 1991). Em experimento com monta semicontrolada, a duração média do cortejo sexual antes da cópula variou entre 11 a 23 minutos para cinco jumentos avaliados (Henry et al., 1998). Considerando estes achados, fica o questionamento: o fato de determinados jumentos levarem um pouco mais de tempo para entrar em ereção e executar a cópula em sistema de monta controlada, comparativamente a outros que executam a monta imediatamente após serem apresentados a uma fêmea, deve ser considerado como uma deficiência de libido? Ou será que aquele que realiza a monta apressadamente apresenta de fato um desvio de comportamento? De toda forma, qualquer interpretação sobre a conduta animal deve ser feita com muito cuidado e, obrigatoriamente, deve ser embasada no conhecimento do comportamento e da fisiologia reprodutiva.
Os jumentos têm a capacidade de executar várias cobrições por dia. Dois jumentos avaliados individualmente a campo e na presença de 20 fêmeas cíclicas submetidas à indução de cio com prostaglandinas chegaram e executar até 11 cobrições em um período de 12 horas de observação diurna, com média diária de oito cobrições/dia por um período de 14 dias consecutivos. Convém lembrar que esta boa performance ocorreu em um período de alta disponibilidade de fêmeas em cio (em média nove fêmeas em cio/dia), ou seja, alta estimulação sexual (Henry et al., 1991). Estes resultados permitem concluir que, pelo menos alguns jumentos, se não um bom número deles, têm um bom potencial para cobrir fêmeas se devidamente estimulados e manejados em ambientes com reduzida interferência humana. Corroborando com alguns críticos da espécie e guardadas as devidas proporções, pode-se aceitar que os jumentos apresentam o período de cortejo sexual que se estende por um certo tempo, mas, em condições de normalidade, eles estão longe de serem improdutivos (Henry et al., 1998).
O jumento em regime de monta a campo pode cobrir uma mesma fêmea mais de uma vez por dia e até várias vezes por cio. A frequência de cobrições por jumenta por dia e por cio é muito variável e depende do número de fêmeas em cio disponíveis por dia. O número de cópulas durante um cio ovulatório variou de uma até dezoito vezes. A causa desta grande variação entre jumentas é resultante de uma série de fatores. A explicação mais facilmente utilizada pelo homem é que deva existir uma preferência do macho por determinadas fêmeas. Essa explicação é pertinente e, de fato, foi observado o que poderia ser chamado de preferência do macho em algumas ocasiões (Henry et al., 1998). No entanto, tal explicação não pode ser aplicada para todas as vezes em que um macho cobre mais uma fêmea do que outra. Foi também observado que o período de tempo que o macho dispensava para o cortejo sexual de cada fêmea foi muito variável, podendo esta observação estar associada a algum tipo de preferência. Por outro lado, pôde-se observar que o tipo de participação de certas fêmeas durante o cortejo e, particularmente, quando o macho estava próximo a executar uma cópula, podia resultar em uma mudança de atores em cena. Foi visto que certas fêmeas demonstravam um comportamento de nítido assédio ao macho durante o cortejo, e estas, em várias ocasiões, chegaram a afastar a fêmea-alvo para se apresentarem e serem cobertas pelo macho. A intensidade de manifestação do cio e, particularmente, o período de proximidade da ovulação são variáveis que podem resultar em uma preferência momentânea do macho em escolher uma determinada fêmea (Henry et al., 1991).
Foi interessante observar que tanto o número de cobrições por jumenta em cio quanto o número de cobrições realizadas por dia bem como a percentagem de jumentas cobertas por dia aumentaram gradativamente do primeiro dia de cio para os dias próximos à pré-ovulação (Henry et al., 1991). Este achado mostra o quanto a interação entre macho e fêmeas durante o cortejo a campo é resultante de diversas mensagens visuais, olfativas, entre outras. Estas mensagens acabam direcionando o macho a executar mais frequentemente a cópula próximo ao dia da ocorrência da ovulação. Neste contexto, a escolha da fêmea a ser coberta atende a uma demanda da fisiologia, e não, como poderia ser interpretado, da preferência do macho.
Foi também alvo de estudo a análise do comportamento de machos manejados para coleta semanal e continuada de sêmen. Observou-se no primeiro ano de tentativas que, quando a fêmea e o macho eram mantidos contidos para o procedimento, o insucesso nas tentativas de coletas se expressou, para a maioria dos machos (total de cinco), após o segundo ou o terceiro mês de trabalho. Mudanças pontuais na forma de apresentação da fêmea ao macho e no manejo do macho resultaram em sucesso descontinuado de coleta de sêmen, observando-se uma resposta muito variável de um macho para outro (Gastal et al., 1996; Henry et al., 1998).
Em ano subsequente, foi refeita a tentativa de coletas de sêmen semanais com o intuito de realizá-las por doze meses consecutivos. Para este fim, incorporou-se uma mudança no manejo. O macho era colocado com duas fêmeas em cio natural ou induzido, deixando tanto ele quanto elas soltas em um piquete, permitindo, desta forma, que o cortejo sexual pudesse ocorrer de forma mais próxima àquela vista a campo. Adicionalmente, durante este novo período de tentativas, procurou-se não mostrar a vagina artificial aos machos antes da ocorrência da ereção e da monta na fêmea. As tentativas de coletas bem-sucedidas se estenderam por um período maior, mas períodos de insucesso ocorreram ao longo do ano. O intuito de citar estes achados é de tentar extrair alguns conhecimentos desta experiência. Pôde-se observar, no segundo período de tentativas, quando os machos e as fêmeas ficavam soltos, que os comportamentos expressos durante o cortejo sexual desses machos foram bastante similares aos expressos por aqueles avaliados a campo. Dentre todos os comportamentos expressos nessa segunda tentativa, é interessante ressaltar que, em nenhuma ocasião, os machos montaram e cobriram a fêmea imediatamente após serem introduzidos no piquete. Eles primeiro realizaram o cortejo sexual por um período de tempo para depois realizarem a monta com ereção. Também foi observado que todos os jumentos, na maioria das tentativas, mostraram aquela atitude de afastamento abrupto e retirada temporária da proximidade das fêmeas em cio (Gastal et al., 1996; Henry et al., 1998). Eles demonstraram que a expressão sequencial de comportamentos e atitudes inerentes à espécie era mantida durante o cortejo e poderia ser importante mesmo quando submetidos a um tipo de manejo semicontrolado.
Poder-se-ia perguntar qual seria, então, a causa do insucesso parcial nas coletas de sêmen. Uma das respostas, entre outras que possam existir, estava relacionada ao tipo de procedimento imposto, a coleta de sêmen por vagina artificial. Foi evidente em certas ocasiões que o procedimento era indesejado pelos jumentos. Comprovação disto aconteceu quando, após períodos prolongados de espera sem ereção e ejaculação, foi observada uma reversão do quadro, ocorrendo uma cobrição rápida da fêmea em cio usada como manequim. Todos estes episódios de mudança abrupta de comportamento aconteceram em momentos de breve desatenção do operador. A falta de interesse aparente, na verdade, não estava ligada a uma desestimulação sexual, mas sim ao desinteresse, aparentemente premeditado do jumento, em ejacular em uma vagina artificial. Esta experiência permite levantar a hipótese de que, dependendo do ambiente ou manejo proporcionado aos jumentos durante o cortejo sexual, eles podem mudar ou não o tempo para alcançar a ereção e executar a cobrição. Com certeza, a eficiência reprodutiva dos jumentos deve sofrer influência do tipo de manejo propiciado. Insucesso ou dificuldade de coletas de sêmen pontuais bem como relatos de dificuldades no manejo reprodutivo de jumentos também têm sido reportados por alguns técnicos.
Por outro lado, deve-se estar muito atento à interpretação dada a certas condutas expressas pelos reprodutores. Em experimento realizado por 13 meses consecutivos em que o objetivo era o controle diário do ciclo estral e do cio de jumentas, vários machos foram utilizados para a rufiação das fêmeas. Um deles, o primeiro adquirido para este fim, que era de raça Nordestina e de idade mais avançada foi protagonista de uma conduta inicialmente mal-interpretada. Em múltiplas ocasiões, ao ser aproximado da fêmea a ser controlada, este macho, ainda a aproximadamente 30 metros de distância, simplesmente parava e se recusava a se aproximar da fêmea e a executar a rufiação. Tal atitude foi inicialmente considerada como uma ineficiência desse reprodutor e estimulou a compra de outros machos para executar a tarefa. Em outras ocasiões, com este mesmo macho, foi observado que ele, mesmo sendo inicialmente rejeitado pela fêmea, insistia em montá-la sem ereção, e várias foram as vezes que, após montá-la, ela passava a exteriorizar sinais de receptividade sexual. Ao final do período de 13 meses de estudo, pôde-se confirmar, pelos resultados de palpação retal das fêmeas, que o jumento, denominado de “velho e ineficiente”, não tinha deixado de identificar todos os cios de fêmeas próximas ao período da ovulação. Na realidade, entre as múltiplas formas de reconhecimento do cio, naqueles episódios que foram considerados serem de ineficiência do macho, este já devia ter captado alguma mensagem ou sinal que o levasse a nem iniciar o cortejo sexual (Henry et al., 1987a, b).
Tendo-se em vista o excelente desempenho que os jumentos podem atingir em sistemas de manejo a campo, é necessário considerar que a interferência humana pode ocasionar alteração de comportamento sexual nesses reprodutores. É apenas especulativo, mas vale o questionamento se seriam os asininos mais sensíveis à interferência humana que os equinos. Convém deixar claro, como aqui foi bem demonstrado, que os jumentos de boa libido bem manejados têm todo potencial para cobrir um número substancial de jumentas por estação de monta (Henry et al., 1991).
Fonte: M. Henry1, L.A. Lago, L.F. Mendonça
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