Bem Vindo ao Blog do Pêga!

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O propósito do Blog do Pêga é desenvolver e promover a raça, encorajando a sociedade entre os criadores e admiradores por meio de circulação de informações úteis.

Existe muita literatura sobre cavalos, mas poucos escrevem sobre jumentos e muares. Este é um espaço para postar artigos, informações e fotos sobre esses fantásticos animais. Estamos sempre a procura de novo material, ajude a transformar este blog na maior enciclopédia de jumentos e muares da história! Caso alguém queira colaborar com histórias, artigos, fotos, informações, etc ... entre em contato conosco: fazendasnoca@uol.com.br

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Resgatanto o Patrimônio Tropeiro

 

Em 1986, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural da  Secretaria de
Estado da Cultura, através da Curadoria do Patrimônio Histórico e Artístico,
elaborou um plano de trabalho que pretendia resgatar elementos, materiais e
imateriais do patrimônio cultural paranaense, relativos ao “Tropeirismo”. 
Dada a abrangência do tema, foram delimitados cinco módulos de
pesquisa:


1. “Arquitetura de Fazendas dos Campos Gerais”, projeto que envolvia a análise de exemplares de fazendas da região, ainda existentes, localizadas ao longo do antigo Caminho das Tropas.
2. “Memória e Cotidiano”, pretendia buscar, nas formas do viver cotidiano, elementos culturais que, mesmo transformados, indicassem alguma relação com hábitos e costumes próprios ao “Tropeirismo”.
3. “Evolução Urbana”, módulo que pretendia realizar a análise da evolução da ocupação urbana das cidades paranaenses, formadas ou impulsionadas pelo “Tropeirismo”. 
4. “Posturas Municipais” buscava, através da análise da legislação que disciplinava e organizava a configuração espacial das cidades no século XIX, desvendar que modelo de cidade era então vigente. 
5. “Depoimentos” pretendia, através de entrevistas, resgatar a história de vida e a memória de pessoas que tiveram envolvimento com o “Tropeirismo”.

Estes cinco módulos foram desenvolvidos por técnicos de diferentes áreas do conhecimento – arquitetos, historiadores e antropólogos – pertencentes ao quadro de funcionários daquela Coordenadoria. Cada módulo, através de seus resultados parciais, integraria, numa etapa posterior, o universo da pesquisa.

Como arquiteta contratada pela Curadoria do Patrimônio Histórico e Artístico, fiquei responsável - juntamente com uma  estagiária, estudante de arquitetura - pelo desenvolvimento do módulo “Arquitetura de Fazendas dos Campos Gerais”. Iniciava-se aí o meu primeiro contato com o tema “Tropeirismo” - ao qual se associa o processo de ocupação dos Campos Gerais, região caracterizada pela atividade agropastoril, da qual as sedes das fazendas constituem marco evidente. A tarefa que me foi atribuída à época era identificar e analisar alguns exemplares remanescentes de casas-sede de
fazendas construídas no período compreendido entre o início do século XIX e o início do século XX, existentes ao longo de uma das antigas rotas usadas pelos tropeiros. 


Esta rota “cortava” a região dos Campos Gerais e era compreendida pelo trecho entre Rio Negro, município situado no extremo sul do Estado (divisa com o Estado de Santa Catarina) e Sengés, município mais ao norte do Estado (divisa com o Estado de São Paulo), conforme ilustra o mapa abaixo:

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Com duração de aproximadamente um ano, aquela pesquisa foi dividida
em cinco etapas:

1. Identificação dos exemplares arquitetônicos - etapa realizada através de referências bibliográficas e por intermédio de informantes locais. Não se optou por realizar um levantamento exaustivo de todas as fazendas existentes na região, mas sim, trabalhar com um conjunto que oferecesse elementos suficientes para uma leitura das soluções arquitetônicas da época;
2. Localização das fazendas e realização de visita preliminar;
3. Realização de levantamento arquitetônico e fotográfico das fazendas selecionadas. O levantamento arquitetônico compreendia: identificação da implantação da moradia no terreno, planta básica e  programa da edificação, relação da casa-sede com o conjunto das demais construções que formavam as fazendas enquanto unidades de produção e moradia, inventário dos materiais de construção e de acabamento, descrição  das técnicas e dos sistemas construtivos utilizados na construção dos  edifícios. Completariam estas informações as anotações de campo, especialmente, no que se referia ao acesso às tais fazendas, à paisagem do entorno das edificações e ao estado de conservação das construções;
4. Compilação dos dados recolhidos e elaboração de  material gráfico (plantas baixas, mapas, detalhes, etc.);
5. Análise do material e produção de texto para compor um volume dos “Cadernos do Patrimônio”, publicação da Secretaria de Cultura.


O desenho abaixo, elaborado durante a pesquisa em 1986, apresenta as fazendas visitadas e analisadas, bem como suas localizações.

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Embora o “Tropeirismo” seja considerado um fato importante para a formação da região sul do país, o tema tem sido pouco pesquisado, sendo relativamente antigos os trabalhos de historiadores sobre o tema. Um deles, bastante conhecido, de Brasil Pinheiro Machado, data dos anos 60. Neste se enfatiza os aspectos sociais e econômicos do “Tropeirismo”.

 
Nos últimos anos, um interesse renovado pelo tema tem sido observado por parte de diferentes agentes sociais, inclusive  historiadores. Entre estes últimos, entretanto, não se observa inovação de abordagem – a exemplo dos trabalhos de Trindade (1992) e Suprinyak & Marcondes (2007). Já o IPHAN, sob a vigência da política contemporânea de registro de memória material e imaterial, tem deslocado a questão da reconstituição histórica do fenômeno do “Tropeirismo” para a discussão de sua significação  como “memória” social.

Esta iniciativa, que exploraremos mais adiante, apresenta algumas
preocupações semelhantes àquelas que orientaram a pesquisa de campo por mim realizada, em 1986, sobre o tema.

Um dos módulos da pesquisa daquela época - “Depoimentos” - foi
publicado na Série “Pesquisa” dos Cadernos do Patrimônio. Com o título
“Tropeirismo, um modo de vida”, o livro apresenta a história de vida de extropeiros, ainda vivos, em 1986. Infelizmente, o módulo “Arquitetura de
Fazendas dos Campos Gerais”, apesar de finalizado e revisado por três vezes consecutivas, nunca foi publicado. Deste módulo, em particular, resultou um valioso inventário das casas de fazenda remanescentes e um registro gráfico inédito daquelas construções. Contudo, se consideramos que a arquitetura cria e organiza espaços e expressa relações sociais, não se pode considerá-la como uma coisa autônoma, com o fim em si mesma. A arquitetura é uma prática tecnológica que promove intermediação entre a natureza e o homem; é uma prática social inscrita temporal e espacialmente, ou seja, historicamente.

Como agenciadora dos espaços de moradia, submete-se às condições sociais do momento histórico vivido, inscrevendo, nas soluções arquitetônicas, um modo de vida específico. 

Logo, se a arquitetura das residências daqueles fazendeiros dos Campos
Gerais, vinculados à atividade do “Tropeirismo”, pode nos apresentar um retrato do seu tempo, podemos dizer que o trabalho de pesquisa realizado naquela ocasião falhou etnograficamente. Obtivemos o registro dos materiais de construção e do sistema construtivo utilizados para a construção daquelas moradias, mas não buscamos a relação entre a habitação e o contexto social.


Roberto da Matta, em seu livro ”A casa & a rua: espaço, cidadania,
mulher e morte no Brasil” (1997), ao discutir a relação entre o espaço público e o privado e as respectivas diferenças na apropriação de tais espaços, expressa seu reconhecimento ao precursor dos estudos que, no Brasil, tomam as moradias como referencial para a compreensão da organização social que as inscrevem:


“Não é, pois, ao acaso que a obra mais marcante de toda a sociologia brasileira seja precisamente aquela que tenha tomado como foco analítico a casa como um espaço complexo e dinâmico. Espaço que é a metáfora mais completa da própria sociedade brasileira, já que nele se encontra a mesma heterogeneidade social e política, religiosa e econômica que marca o espaço exterior: da rua e da sociedade em geral. Ou seja, quando Gilberto Freyre escreveu Casa Grande & Senzala e Sobrados e Mocambos, ele estava certamente estudando os espaços mais significativos da nossa estrutura social, espaços que, de certo modo reproduziam em suas divisões internas a própria sociedade em seus múltiplos códigos e perspectivas.” (DA MATTA, 1987:10)

Analisadas de forma mais restrita – como um modo de ordenação
espacial, expressão de certo estilo de vida – as casas de fazenda dos Campos Gerais do Paraná poderiam ser objeto de análise a partir de um novo olhar. Isto é, poder-se-ia elaborar uma crítica do fazer arquitetônico a partir do “olhar” da antropologia. 


Esta perspectiva nos instigou rever aquela pesquisa. Também estimulou
o meu interesse pelo tema o fato de nos últimos anos assistir-se à proliferação de “manifestações” relacionadas ao “Tropeirismo”. Dentre elas, chama atenção a invenção de uma data comemorativa aos tropeiros: no município de Silveiras, Estado de São Paulo, o dia 31 de agosto é considerado o “Dia Nacional dosTropeiros”. No Paraná, ficou instituída (pela Lei n° 14356, de 2004) a primeira semana do mês de outubro como sendo a “Semana do Tropeiro” e, o dia 05 de outubro, o “Dia do Tropeiro”. No Estado de Santa Catarina, a comemoração se dá no dia 26 de abril (Lei n° 13.890, de 2006).


Além disso, em vários municípios surgiram estabelecimentos com a
temática dos “tropeiros”, a exemplo de restaurantes que servem “pratos típicos tropeiros”, como é o caso do Centro de Tradições Tropeiras, em Lorena, no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo; o Restaurante Lipski, na Lapa, Estado do Paraná. Há também pousadas e hotéis-fazendas localizados no “caminho das tropas”, na região dos Campos Gerais, Paraná, que fazem da oferta de “comida tropeira” uma forma de atrair turistas.

Museus ou casas de cultura também se destacam na salvaguarda da
memória do “Tropeirismo”, como o Museu do Tropeiro, inaugurado em 2003,
em Itabira, município localizado no percurso da Estrada Real, em Minas Gerais.

Outros apresentam setores específicos relacionados  ao tema, em museus já existentes, como é o caso da Casa Vermelha, na Lapa, Paraná.

Há ainda os “Clube dos Tropeiros” – de Rio Negro e da Lapa, no Paraná,
e os de São Francisco Xavier e Silveiras, no Estado de São Paulo – que têm, por objetivo, “pesquisar o ciclo do Tropeirismo e a sua influência na formação
da cultura brasileira”, “resgatar a história dos tropeiros” , além de promover
atividades relativas ao tema. 


Nos últimos anos também começaram a proliferar publicações e
reportagens jornalísticas sobre o tema. Uma das iniciativas recentes foi
realizada pela TV Globo (em 2006), mais especificamente pelo programa Globo Rural. Uma grande produção – envolvendo muitos participantes, entre
funcionários e convidados –, resultou numa variedade de produtos, dentre os
quais: uma série de televisão – apresentada em programas semanais no
segundo semestre de 2006 –, matérias veiculadas em  jornais e revistas e aprodução de “fascículos especiais” da revista Globo Rural (acompanhados por DVDs). 


Por fim, a criação da “Rota dos Tropeiros”, projeto turístico lançado em
2002, na região dos Campos Gerais, no Paraná, motivou-nos ao
desenvolvimento de uma pesquisa sobre o tema.


Apresentado como “um destino turístico que reúne 16 municípios
paranaenses, ligando os estados de Santa Catarina e São Paulo, através de rodovias federais ou estaduais, além de caminhos rurais que passam por
fazendas, cânions, montanhas, rios e fantásticas cidades”, o projeto “Rota dos Tropeiros“ resulta da associação entre a Secretaria Estadual de Turismo
(SETU), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE) e a Associação dos Municípios dos Campos Gerais (AMCG).
O seu estudo permite apreender como vêm sendo promovidas mudanças
políticas nas práticas de patrimônio, seja no que se refere à forma de produção da política institucional - associação entre órgãos públicos e empresas privadas -, seja quanto à transformação de certos bens culturais, da condição de “bens históricos”, em bens de consumo turístico e/ou cultural (a exemplo das casas de fazenda, objeto da pesquisa anterior, que adquirem  novos significados na medida em que, juntamente com outros equipamentos e/ou práticas sociais, se transformam em “atrações” de um projeto turístico).

 
Esta pesquisa toma esse referencial empírico – o projeto turístico “Rota
dos Tropeiros” – para investigar a significação atribuída pelos diferentes
agentes sociais envolvidos neste projeto aos bens materiais e imateriais
associados ao “Tropeirismo”. Para tanto, fez-se necessário conhecer e
interpretar as diferentes narrativas – e as correlativas ações – construídas, de um lado, pelos agentes de políticas públicas (agências de patrimônio e turismo) e, de outro, pelos “empreendedores”, cujos “negócios”, bens e práticas culturais fazem parte do trajeto. Também é de interesse dessa pesquisa apresentar as diferentes representações afloradas nesse contexto sobre a figura do “tropeiro” e/ou o “Tropeirismo” como estilo de vida, retomando com esse fim a discussão sobre “modernidade” e “tradição”. 

 

Apropriando-nos de termos utilizados pelo antropólogo José Guilherme
Cantor Magnani, em seu artigo “A rua quinze, de praça a praça: um olhar
antropológico”, podemos dizer que se pretende apreender quais são os
valores associados ao “Tropeirismo” – as regras, o script – difundidos no projeto turístico “Rota dos Tropeiros” – o  cenário – pelos diferentes  atores sociais envolvidos – agências públicas e empreendedores privados.


Com a finalidade de atingir esse objetivo, iniciamos a pesquisa de campo
buscando contatos, através de entrevistas formais e informais, com os
responsáveis pela criação, elaboração e formatação  do projeto turístico:
Eduardo Zardo, turismólogo, sócio-gerente da Consultur e Carlos Solera, na
época sócio da Protur Purunã, ambas empresas de consultoria em turismo. 
Em seguida fizemos contato com os chamados “parceiros” do projeto, ou
seja, os responsáveis pela implantação, manutenção, implementação e
desenvolvimento do mesmo: funcionários do SEBRAE, da Secretaria de Estado do Turismo do Paraná e da Associação dos Municípios dos Campos Gerais. 


Junto a estes informantes, obtivemos dados relativos ao “histórico” do
projeto e seu andamento. Dentre outras várias questões, foram levantadas:
como o tema “Tropeirismo” é pensado enquanto “produto turístico”? Quem são, efetivamente, os responsáveis pela iniciativa? Como se deu a elaboração do projeto? Como foram selecionadas as principais agências envolvidas na sua implantação? Quais são os objetivos principais? Como cada órgão parceiro está envolvido? Como está se desenvolvendo a implantação do projeto? De que forma os municípios estão envolvidos?


Além das entrevistas com informantes de diferentes  órgãos públicos e
instituições privadas ligadas ao projeto, foram analisados documentos gerados por estes, tais como: ofícios trocados entre os órgãos estaduais e as empresas de turismo responsáveis pela formatação do projeto; cópias de e-mails trocados entre os diversos participantes; relatórios preliminares e finais dos diferentes levantamentos realizados nos municípios para a elaboração do projeto turístico; atas de reuniões realizadas nos municípios integrantes da Rota; relatórios de prestações de contas com gastos de material promocional de lançamento e divulgação do projeto; montagem de  website; contratação de projeto arquitetônico para a criação de um “pórtico de identificação” (tótem da Rota, a ser instalado na entrada principal das cidades envolvidas), entre outros. Tomouse conhecimento dos diferentes produtos impressos (produzidos pelo SEBRAE), como: mapas em diferentes formatos; “cartilhas” - com a divulgação das principais atrações turísticas, informações sobre hotéis, pousadas, restaurantes e locais de visitação - e catálogo de artesanato regional.


Quanto aos “empreendedores”, dentre os diferentes tipos de negócios
existentes nos municípios inseridos no projeto turístico da “Rota”, priorizamos a pesquisa com dois proprietários de pousadas e/ou hotéis-fazenda, ambos ativos participantes da fase inicial de elaboração do projeto turístico. Além de entrevistá-los procuramos vivenciar o seu dia-a-dia na lida com a administração das pousadas por meio da pesquisa de campo. Os dois estabelecimentos selecionados estavam em funcionamento muito antes do lançamento do projeto e interessava-nos apreender como haviam sido incorporados ao projeto e como se percebiam participando dele. Para fins de complementação de dados, quando possível, realizamos entrevistas também com os hóspedes dos hotéisfazenda.


Um destes empreendimentos – a Estalagem Fazenda Roseira – está
localizada no município da Lapa (Paraná) e funciona numa das mais antigas e preservadas fazendas que a pesquisa de 1986 mapeou. A fazenda – terreno e casa – é propriedade da mesma família desde 1938. Produtiva, tem o leite como seu principal produto. A organização da pousada, de acordo com informações da proprietária, é a “realização de um  sonho antigo” e, como “negócio”, proporciona renda complementar à obtida pela produção da fazenda.


Realizamos duas viagens ao local, ambas em dias de  semana, durante os
meses de novembro e dezembro de 2006. 


O outro hotel-fazenda pesquisado – a Pousada Cainã  – localiza-se
próximo de Curitiba (48 km do centro da cidade) e foi o primeiro
empreendimento deste tipo criado na região dos Campos Gerais. Em
funcionamento há vários anos, é bastante conhecido  e recebe muitos
hóspedes. De acordo com informações do proprietário, as terras foram
adquiridas para a construção de uma “casa de campo” mas, devido a mudanças ocorridas na vida da família, acabou por sediar uma pousada. A Pousada Cainã oferece diversos tipos de atividades de recreação e lazer e tem como foco principal o “turista de um dia”. Estivemos nesta pousada por cinco finais de semana, entre os meses de novembro e dezembro de 2006, época em que a freqüência de visitantes é bastante grande, uma vez que o estabelecimento oferece a possibilidade de realização de festas de final de ano para empresas. 


Informações complementares foram obtidas em matérias de revistas e de
jornais, DVDs, folders, etc. Consultamos ainda documentos elaborados pelo
governo federal - em especial os planos de turismo  que, de certa forma,
“institucionalizaram” este projeto - de forma a mapear a inserção de outros
personagens envolvidos com o projeto da “Rota”. A pesquisa utiliza estes
documentos como informantes, na medida em que eles  contam sobre seus
autores, sobre o contexto e as condições que os produziram. (KERSTEN, 2000)


A análise desse material obedece ao seguinte roteiro:

O Capítulo 1 apresenta o projeto turístico “Rota dos Tropeiros”, sua
contextualização no cenário das políticas brasileiras recentes, voltadas ao
turismo e a forma como estas evocam o tema “Tropeirismo”. Procura-se
identificar os objetivos e procedimentos das instituições envolvidas na
construção do projeto a partir da perspectiva de seus elaboradores e gestores.


No capítulo 2 são relacionadas e analisadas algumas iniciativas recentes,
públicas e privadas, de “retomada” do tema ”Tropeirismo” - inclusive, pela mídia – e discute-se o “Tropeirismo” como “tradição inventada”, isto é, memória histórica acionada para fins de construção de uma “identidade” regional e nacional. 

O Capítulo 3 apresenta a visão de “empreendedores” – proprietários de
pousadas e hotéis-fazenda – inseridos no projeto. Busca-se confrontar a visão destes sobre o “Tropeirismo” com aquela das instituições públicas.

(…)

2. O “TROPEIRISMO” REVISITADO: VERSÕES CONTEMPORÂNEAS

Informações a respeito do “Tropeirismo”, divulgadas em diferentes “formatos” - desde trabalhos acadêmicos até revistas e textos encontrados na internet - são hoje mais abundantes do que aquelas disponíveis à época da nossa pesquisa na Coordenadoria do Patrimônio Cultural da Secretaria de Cultura do Estado, em 1986. Contudo, o que se observa neste material é que, freqüentemente, a abordagem é sumária e superficial, apresentando uma constante repetição dos mesmos dados. Acreditamos que este fato reforça o que Márcio Goldman chama de “geração e reprodução de uma vulgata”:
“Em um de seus ensaios sobre a história da biologia, Stephen Jay Gould segue a pista de uma imagem oferecida com freqüência aos leitores de todo o mundo a fim de fazê-los visualizar um desses pequenos antepassados do cavalo contemporâneo. Ele revela, assim, que uma enorme quantidade de autores, na Europa, América, Ásia, e em toda parte, busca esclarecer que o animal em questão possuía, aproximadamente, o tamanho de um cão fox terrier. Intrigado com a aparente invenção independente de uma imagem no final das contas nada óbvia, Gould acaba por descobrir que todas as formulações se originam de um único texto, transmitido de autor para autor, de geração para geração, citado de segunda, terceira ou quarta mãos, sem que ninguém sentisse a menor necessidade de recorrer ao “original” – seja o texto, seja o animal usado como signo. Para ser mais preciso, o que ocorria de fato é que não importava a ninguém saber quem era o criador da imagem, ou mesmo conhecer o que lhe servia de significante”. (GOLDMAN, 1999)


Na maioria dos trabalhos encontrados, dados pontuais relativos ao
“Tropeirismo” são utilizados como “pano de fundo” para contextualizar análises sobre o surgimento de determinadas cidades, especificidades do processo de desenvolvimento de certas regiões do país ou para caracterizar determinados modos de vida. A forma como estes dados são apresentados acaba por permitir aos leitores conhecer apenas alguns aspectos, muitas vezes, desconexos, a respeito do tema.


De forma geral, a bibliografia relacionada ao assunto, descreve o
“tropeiro” como os homens que transportavam, regularmente, manadas de
gado vacum, cavalar ou muar - as tropas – do seu lugar de criação (região sul do Brasil) até os locais de consumo (estados centrais do Brasil), além de
variados produtos, mercadorias e informações.

Diz-se que tropear era um “negócio” e um estilo de vida. “Tropeiros” eram aqueles indivíduos que selecionavam os homens para formar a comitiva - um grupo capaz de lidar com gado bovino e muar. Também escolhiam os animais - compravam, vendiam e negociavam preços -, além de controlar o dinheiro, cuidar da contabilidade e de, efetivamente, conduzir as tropas. Eram homens de negócio, empreendedores, tendo, muitos deles, juntado fortuna e ocupado cargos públicos de grande destaque na vida política regional e nacional.


“O tropeiro propriamente dito era o dono do negócio, dos animais que ele
punha em marcha com os seus camaradas. Podia não ser o único dono, mas tinha algum capital empregado nesta atividade, alguma participação, como, por exemplo, comandar a transação e a viagem. Por isso, chefiava, decidia”. (TRINDADE, 1992:38)


Além dos animais, a tropa era composta por um grupo de homens que
desempenhavam diferentes tarefas. Diz-se que, apesar da clara divisão de
funções dentro do grupo, o enorme esforço demandado por parte de cada um
dos envolvidos na viagem, para vencer os inúmeros perigos e dificuldades que encontravam pelo caminho, de certa forma, os igualava. No longo trajeto, transcorrido em vários meses de viagem, “(...) Todos compartilhavam do prolongado isolamento, da rusticidade do pouso noturno, dos terrenos ou rios de travessia estafante ou arriscada, do possível ataque de feras ou de guerreiros indígenas.”(TRINDADE, 1992:38)

A complexa rede de solidariedade e interdependências, construída pela
convivência diária e pelo fato de terem apenas uns aos outros com quem
contar, tornavam fundamentais aspectos como amizade, companheirismo e
camaradagem.


Embora pertencendo a classes sociais diferentes, os integrantes do
grupo compartilhavam, de forma similar, o gosto pela vida simples, ligada à
natureza e aos animais, o sonho, a aventura e também a obediência às regras, o respeito pelo outro, a forte hierarquização e o acatamento aos códigos e posturas de convivência. (SOPELSA, 2005)


Além destes “valores”, os tropeiros possuíam outros traços que foram
realçados na bibliografia, destacando-se dentre eles, atributos como coragem, valentia, honra, virilidade, liberdade:


“Ao tratar do sistema social, político e econômico do tropeirismo se resgata uma herança cultural importante baseada num nomadismo que traz consigo a criação de valores próprios e muito arraigados. É uma saga de homens
enfrentando vida difícil de embate com a natureza, desenvolvendo em longas
caminhadas modos de pensar e agir que vão marcar muito profundamente a
vida da região sul do país.” (AUGUSTO MUSSI, Vera Maria Agi Augusto Mussi, 1992. Apresentação do livro “Tropeiros”, p.8).

Tratados como itens isolados, fragmentários, estas características
sociais e práticas associadas ao “Tropeirismo” são reelaboradas,
transformadas pelos produtos contemporâneos de divulgação, conforme
descrevemos a seguir.

Fonte: Trechos retirados de A “ROTA DOS TROPEIROS” – PROJETO TURÍSTICO NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS: UM OLHAR ANTROPOLÓGICO por MOARA ZUCCHERELLI, UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

quinta-feira, 27 de junho de 2013

ASININO HÍBRIDO ZEBROIDE

 

Um outro animal hibrido pouco conhecido é o zebroid (ou zedonk, zebra mule ou zebrule), uma mistura de zebra com outro equino como o cavalo ou o jumento.

Esse animal tem as características listras da zebra em apenas parte do corpo, principalmente nas patas e tem temperamento bem mais selvagem do que um equino doméstico.

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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Descrevendo o muar…

Muares: tem o olhar da águia, a coragem do leão e a velocidade da pantera. Do elefante tem a memória, do tigre a força, da galeza a elegância. Teus cascos tem a dureza do sílex e teu pêlo a maciez da plumagem da pomba. Salta mais do que o gamo e tem do lobo o faro. Seus olhos, à noite, são iguais ao do leopardo e se orienta como o falcão que sempre volta a sua origem. É incansável como o camelo e tem do cão o amor ao seu dono. E o que o torna único é ter a beleza da rainha e a majestade do rei.

sábado, 15 de junho de 2013

BABESIOSE EQÜINA

 

INTRODUÇÃO
A Babesiose eqüina, também conhecida como nutaliose ou piroplasmose é uma enfermidade causada por protozoários hemoparasitas, a  Babesia equi  (modernamente chamada de Theileria equi) e a  Babesia caballi, transmitidos por varias espécies de carrapatos. É uma importante afecção parasitária que acomete os eqüinos em todo território brasileiro e em diversos países do mundo de forma endêmica. Esta afecção acarreta um elevado número de
distúrbios aos animais individualmente, bem como em todo o plantel, sendo uma doença notificável pela Organização Internacional de Epizootiazes.

TRANSMISSÃO
No Brasil, o carrapato Boophilus microoplus tem importância relevante na transmissão da Theileria equi, portanto vem sendo considerado o principal vetor de transmissão. Já em relação à Babesia caballi, alguns estudos comprovam a participação do carrapato da orelha (Anocentor nitens) no ciclo e transmissão. Além do carrapato Amblyoma cajennense  que tem um papel epidemiológico mais significativo já que é um carrapato que necessita de três hospedeiros de espécies similares ou não para cumprir seu ciclo de vida (trioxeno) e cada fêmea deposita cerca de cinco mil ovos.


Observações de casos clínicos de babesiose em neonatos sugerem haver transmissão transplacentária da babesia.


EPIDEMIOLOGIA
As Américas do Sul e Central são consideradas áreas endêmicas, com exceção do Sul da Argentina e Chile. No Brasil estudos demonstram alta prevalência em regiões tropicais ou subtropicais (Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Oeste do Paraná). Altas incidências de Theileria equi têm sido associadas com a criação conjunta de bovinos e equinos.


SINTOMAS CLÍNICOS 
Os animais doentes podem apresentar clinicamente febre, anemia, petéquias ou até hemorragias de membranas mucosas, icterícia e hemoglobinúria.

Após o período de incubação que é de cerca de 8 a 10 dias, o primeiro sinal evidente é o aumento de temperatura corpórea, que pode se apresentar em picos ao final da tarde. A anemia é causada pela diminuição no número de eritrócitos, havendo hemólise intravascular, resultando em liberação de
hemoglobina e deposição de bilirrubina nos tecidos (icterícia). 

A parasitemia, no caso da  Babesia caballi pode chegar a 1% das células, da linhagem vermelha e dificilmente o animal morre de anemia, mas principalmente pela formação de microtrombos. No caso da Theileria equi a parasitemia é maior, comumente por volta de 7% dos eritrócitos, mas em animais imunodeprimidos ou  sem qualquer contato prévio, a parasitemia pode chegar a 80% e a morte se dá por anemia aguda.


DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da babesiose eqüina é importante na escolha de medidas de tratamento e controle, além de auxiliar nos processos de importação e exportação de eqüinos. O exame direto ao microscópio pode ser muito útil para os casos agudos quando há alta parasitemia.

Várias técnicas sorológicas podem ser usadas para detectar a Babesia. As mais comuns são a Fixação do Complemento, a Imunofluorescência e o Elisa. Mais recentemente as técnicas de biologia molecular tem sido muito estudadas.     

Fonte: Tecsa

sábado, 8 de junho de 2013

Você Sabia…

Você sabia … que uma vez por ano na cidade de Sarapuí Estado de São Paulo, acontece ás provas que testam á habilidade dos peões e a velocidade dos muares. Essa é a For-Mula, a competição de muares do sudoeste paulista.

Você sabia … O MULADEIRO e o TROPEIRO são duas profissões bem antigas e que se completam pelas funções, um comercializa o animal já domado e o outro conduz os animais principalmente os de cargas.

Você sabia… O Mulá (tur. molla, persa e hin. mulla 'id.' < ár. mawlá; f.hist. 1899 mullah) é o título dos líderes religiosos do Islã xiita.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

CHARQUE: DE BOI OU JUMENTO?

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Você sabia que até a algum tempo atrás muita gente pensava que carne de charque era feita da carne do jumento?

Pois é, muitos acreditavam – e ainda há pessoas que acreditam fielmente nisso – que carne de charque era na verdade carne produzida apartir da carne do jumento.


Mas porque eles acreditavam nisso? Bom, para responder essa pergunta, vamos voltar um pouco na história de Grossos, já que foi este município quem primeiro fabricou essa carne no Nordeste.

Em meados do século XIX, quando Grossos ainda era conhecida por ilha de Grossos – posteriormente passou a se chamar somente de Grossos – chegou por aqui um cidadão por nome de Souza Machado, este instalou uma fazenda para a criação de gado e começou a organizar atividade salineira na região. Como de besta ele não tinha era nada, logo percebeu a grande abundância de sal que se tinha na região. Com uma visão futurista, montou uma charqueada, ou seja, criou uma “fabrica” de charque, esta foi então a primeira charqueada do Nordeste. O negócio deu certo – e como não poderia dar?– ele era o dono do gado e do sal. O negocio se expandiu e em pouco tempo ele começou a negocia a charque para os portos para estas serem exportadas para a Bahia, Província do Pernambuco e até para a África onde era usada na troca por escravos.

Você deve estar se perguntando: onde entra o jumento afinal?


Bem amigo (a), para carregar a charque do local de produção até o porto era coisa de cinema, alem de muita areia e caatinga, tinha que atravessar toda a várzea e aí não bastava ter escravos, precisavam de mulas. Porém encontrar mulas não era fácil, já que era um animal precioso para o transporte de gente, a solução então foi buscar na própria várzea, onde tinha aos montes, jumentos soltos sem nenhum dono aparente.


Souza Marchado não pensou duas vezes, logo a charque estava sendo transportada em jumentos, dentro de balaios apegados aos cambitos, hoje isso não se vê mais, porém foi muito usado para o transporte da mercadoria.

As pessoas que estavam acostumadas a ver muitos jumentos correrem soltos na várzea perceberam que os animais estavam diminuindo, ou seja, enquanto a produção de charque aumentava a de jumentos soltos diminuía, logo as pessoas fizeram a ligação: rapaz, Souza Machado esta matando jumento para fazer charque. Hora, sai mais barato é ou não é?


Apesar de Souza Machado ter explicado várias e várias vezes o motivo do qual ele perseguia os jumentos, muitos não acreditaram e até hoje, tem gente que acredita que carne de charque é produzido apartir do jumento.

Prof. Ronaldo Josino