Etiologia
A rinopneumonite equina é uma das doenças virais dos equinos mais importantes em todo o mundo. É causada por herpesvírus e manifesta-se clinicamente sob quatro formas diferentes: respiratória, abortiva, neonatal e nervosa.
Existem vários tipos diferentes de herpesvírus equino; no cavalo, os mais citados são:
- EHV1: responsável pelas formas abortiva, nervosa, respiratória e neonatal da rinopneumonite equina.
- EHV2: citomegalovírus equino, clinicamente pouco significativo; no entanto, pode causar conjuntivite e faringite crônica.
- EHV3: vírus do exantema coital, clinicamente pouco significativo; é responsével pelo aparecimento de vesículas nos órgãos genitais; no entanto, não causa aborto.
- EHV4: antigo subtipo 2 do EHV1, é responsável por surtos da forma respiratória da rinopneumonite equina.
Os dois herpesvírus mais importantes em patologia equina são, portanto, o EHV1 e o EHV4. A figura 1 mostra esquematicamente a estrutura destes herpesvírus. Como podemos ver, são constituídos por um nucleocapsídeo e um envelope.
O nucleocapsídeo contém DNA e diversas proteínas. As proteínas do capsídeo são responsáveis, como em todos os herpesvírus, por reações de hipersensibilidade no animal, equinos infectados, como nos vacinados anteriormente com vacinas formuladas a partir de hespesvírus completo.
O envelope viral possui uma dupla camada lipídica e glicoproteínas responsáveis por propriedades importantes como o poder patogênico do vírus e a adesão e penetração do vírus na célula. São também as glicoproteínas que induzem a maior parte das respostas imunitárias celular e humoral dos herpesvírus.
Há uma diferença nítida entre os genótipos (DNA) dos herpesvírus EHV1 e EHV4. Porém, quanto às proteínas de superfície responsáveis pela imunidade, há uma grande semelhança. Na verdade, sabe-se que esses dois vérus possuem 6 glicoproteínas importantes e é basicamente em uma delas (a gp13) que esses dois vírus apresentam diferenças mais nítidas nos respectivos antígenos. Diferenças genéticas significativas entre os dois herpesvírus EHV1 e EHV4 traduzem-se, portanto, por variações antigênicas muito menos importantes. Diversos estudos sorológicos também demonstraram a existência de imunidade cruzada entre esses dois vírus. Além disso, infecções ou vacinações repetidas com o vírus EHV1 proporcionam uma proteção adequada contra o EHV4.
Estrutura do herpervírus
Epidemiologia
A transmissão dos herpesvírus ocorre essencialmente pela via respiratória, com formação de um aerossol rico em vírus a partir de um cavalo com um caso clínico de rinopneumonite ou a partir de um animal clinicamente são, porém excretando vírus. Esta contaminação exige um contato bastante estreito entre os cavalos portadores de vírus e os suscetíveis. Por isso é que nos hipódromos ou haras, as epizootias da forma respiratória apresentam características diferentes da gripe. A contaminação ocorre de cocheira em cocheira, levando mais tempo para afetar todo a tropa.
Na forma abortiva, fetos, anexos fetais e secreções do útero e da vagina são as principais fontes de contaminação. Em certos casos, é o potro nascido de uma égua contaminada quem dissemina os herpesvírus.
O vírus também pode ser disseminado por objetos ou acessórios contaminados, pois o vírus sobrevive por 14 a 45 dias fora do animal.
A duração da incubação é bastante variável. Na forma respiratória, leva de 2 a 7 dias, na nervosa dura de 6 a 10 dias e na forma abortiva dura, em média, 3 a 4 semanas, mas pode chegar até 16 semanas.
A excreção viral respiratória dura de 1 a 4 semanas após um caso clínico. Nos portadores crônicos não se sabe durante quanto tempo o vírus persiste no organismo, talvez, durante toda a vida do animal. Estes portadores podem a todo momento, devido, por exemplo, a um estresse ou aplicação de corticosteróides, recomeçar a excretar o herpesvírus sem apresentar sintomas clínicos da doença.
Numerosos fatores estressantes podem reiniciar a excreção viral, aumentando a contaminação ambiental: castração, desmame, treinamento, transporte, agrupamento de cavalos, doenças intercorrentes, etc.
Por isso é que a doença surge normalmente em um hipódromo ou haras aparentemente são após a introdução de um cavalo portador crônico que acabou de sofrer um estresse, por exemplo, ao retornar de uma viagem longa ou de um outro haras, ou de uma égua que abortou recentemente.
No Brasil, segundo Weiblen (in Riet-Correa, 1998), foram encontradas 84,7% de amostras positivas, utilizando a prova de soroneutralização, em amostras de soros provenientes de vários municípios do Rio Grande do SuI.
Patogenia
Após contaminação por via aérea, o herpesvírus, EHV1 ou EHV4, multiplica-se nas mucosas das vias nasais e faringe. Em seguida atinge os gânglios linfáticos locais e os folículos linfóides da faringe. Nos potros, tanto o EHV1 como 0 EHV4 podem atingir os alvéolos pulmonares e produzir uma broncopneumonia.
O EHV4 normalmente não produz viremia. Já o EHV1, associado aos Iinfócitos, pode produzir viremia e disseminar-se para o útero ou sistema nervoso. No útero pode ocorrer aborto: a placenta se descola do endométrio e o feto morre por asfixia, não apresentando sinais de autólise. Se o potro se infetar no útero e não ocorrer aborto, pode nascer fraco e morrer logo após o parto.
No sistema nervoso, o herpesvírus produz encefalomielite, devido a uma reação de hipersensibilidade, com formação de complexos antígeno anticorpo.
Nos portadores crônicos, os herpesvírus localizam-se nos tecidos Iinfoides ou em deterninados gânglios nervosos, conseguindo sobreviver em estado latente durante anos, sem causar sintomatologia específica. Sob a influência de um estresse ou doença intercorrente, esses herpesvírus latentes podem reativar-se e multiplicar-se. A contaminação das células receptoras pode ocorrer tanto por via sanguínea como pelas pontes intercelulares, colocando-se assim o vírus ao abrigo da imunidade humoral.
Após a reativação, o vírus pode ser excretado, acompanhado ou não de sinais clínicos. A imunidade pós-infecção ou pós-vacinação não impede a latência nem a reativação do vírus. No entanto, na presença de um nível suficiente de anticorpos, ocorre uma inibição mais ou menos total dos vírus excretados; por esse motivo, o período de reexcreção é mais curto e o título dos vírus excretados, mais baixo.
Sintomas
Forma Respiratória
O EHV1 e o EHV4 provocam uma rinofaringite aguda, evoluindo rapidamente para traqueobronquite, acompanhada de corrimento nasal seroso e depois mucopurulento. Inicia-se por uma forte hipertermia (40,5ºC a 41ºC) com um corrimento seroso abundante, lacrimejamento (devido à conjuntivite) e acessos de tosse seca. A doença dura de 1 a 2 semanas.
O EHV4 é responsável principalmente por surtos em cavalos com menos de 2 anos de idade. Porém, podem-se isolar nestes cavalos os 2 tipos de vírus.
Na rinopneumonite, as infecções bacterianas secundárias podem complicar o quadro clínico, com o aparecimento de: corrimento mucopurulento, faringite estreptocócica, infecção das bolsas guturais e broncopneumonia nos potros.
Certos animais apresentam tosse crônica persistente e dispneia, refletindo um comprometimento respiratório profundo.
A faringite com hiperplasia folicular Iinfoide também pode ser causada pelo herpesvírus, provocando edema de faringe e reduzindo a eficiência respiratória do cavalo.
As lesões provocadas pelo herpesvírus são, provavelmente, as principais responsáveis pela epistaxe em cavalos atletas.
A forma subclínica da infecçãoo respiratória é a mais comum. Manifesta-se apenas por uma redução da performance atlética dos cavalos. Geralmente, estas reinfecções assintomáticas ocorrem em intervalos de 4 a 5 meses.
Forma Abortiva
Em geral, o aborto ocorre entre o 7º e o 10º mês de gestação, sem nenhum sintoma premonitório. Algumas vezes, a gestação vai a termo, porém o potro nasce morto.
A contaminação do feto pelo EHV1 se dá após o 4º mês de gestação, com um período de incubação que varia de 3 semanas a 4 meses, até o aborto.
O aborto por herpesvírus não deixa sintomas ginecológicos na égua. O feto e a placenta são expulsos sem sinais de autólise, não havendo retenção de placenta nem lesão no trato reprodutivo da fêmea. Também não interfere na fecundidade; após nova cobertura, a égua não tem dificuldades para emprenhar. Apesar disso, pode voltar a abortar no ano seguinte.
Em geral, de 20% a 40% das éguas de um plantel abortam quando há um surto de herpesvírus.
Forma Neonatal
Se o potro se infectou no útero e não ocorrer aborto, pode nascer fraco e morrer logo após o parto com problemas respiratórios (pneumonia intersticial), anorexia, icterícia ou devido a infecções bacterianas.
Forma Nervosa
É provocada essencialmente pelo EHV1. Pode ou não ser precedida de sintomas respiratórios ou abortivos. Atinge cavalos de todas as idades.
A sintomatologia é extremamente variável, desde uma leve paralisia dos posteriores até uma paralisia geral. Nos casos mais leves, parece que o animal recebeu uma injeção de tranquilizante ou pré-anestésico.
Além dos sintomas de incoordenação motora, relutância em se mover, dificuldade em fazer curvas e paralisia dos posteriores, pode haver paralisia da cauda, atonia vesical, aparecimento de edemas e movimentos de pedalagem.
Os casos mais graves evoluem para complicações secundárias geralmente fatais, sobretudo se o animal permanece em decúbito. A convalescença pode durar 2 a 4 meses e, em certos casos, os equinos mantêm sequelas nervosas por toda a vida. No entanto, nos casos mais leves, a maioria dos animais recupera-se sem sequelas.
Diagnóstico de laboratório
Isolamento Viral
Segundo Weiblen (in Riet-Correa, 1998), o melhor e definitivo método para diagnóstico de infecção por EHV1 ou EHV4 é o isolamento viral. A escolha de amostras depende da síndrome envolvida. Na forma respiratória, “swabs” da nasofaringe, muitas vezes, revelam o agente infeccioso. Apos a coleta, o “swab” é colocado em um meio de transporte e remetido sob refrigeração ao laboratório.
No caso da forma nervosa, deve-se enviar metade do cérebro sob refrigeração e metade fixado em formalina a 10%.
No caso de abortos, enviar o feto para necrópsia completa. Caso o envio do feto seja impraticável, remeter pulmão, fígado e baço. Em fetos, a observação de focos necróticos com presença de corpúsculos de inclusão intranucleares permite o diagnóstico de aborto por herpesvírus. Já nas infecções pós-natais, os corpúsculos de inclusão são raros.
Sorologia
O método mais usado para o diagnóstico de laboratório da forma respiratória de rinopneumonite é a observação da elevação do título em anticorpos de duas amostras de soro do mesmo animal. A primeira amostra de soro deve ser coletada na fase aguda da forma respiratória e a segunda 2 a 3 semanas depois. Os soros da fase aguda e convalescente do mesmo animal devem ser enviados juntos ao laboratório para a prova de soroneutralização. Um aumento de quatro vezes, ou mais, no tíitulo dos anticorpos é considerado significativo.
Somente a elevação do título de anticorpos pode confirmar o diagnóstico. Uma única amostra, mesmo com título elevado, tem pouco valor no diagnóstico.
Além disso, normalmente não se faz a sorologia das éguas com suspeita de aborto por herpesvírus porque a infecção inicial ocorre geralmente muito tempo antes do aborto e não é possível observar a elevação dos títulos de anticorpos após o aborto, já que os anticorpos atingiram o seu valor máximo antes do aborto.
Controle
A proteção dos equinos contra rinopneumonite baseia-se em medidas sanitárias e em um programa de vacinação de todo a tropa.
As medidas sanitárias são de extrema importância para a prevenção dessa enfermidade. Contudo, é preciso convir que raramente são observadas. A preferência recai unicamente sobre a vacinação, cujos limites são aliás bem conhecidos. Daí decorrem as constantes insatisfações com os resultados dessa profilaxia.
As medidas sanitárias mais recomendadas são:
- Isolar os animais recém-introduzidos no haras.
- Realizar regularmente a desinfecção dos boxes e do material em contato com os equinos. Essa desinfecção é indispensável após a observaçãoo de todo caso clínico.
- Isolar as éguas que abortarem ou cujo potro venha a morrer logo após o parto.
- Separar as éguas prenhes dos potros desmamados, dos animais com um a dois anos de idade e de outros cavalos.
- Favorecer o parto no haras de origem.
- Criar as éguas prenhes em pequenos grupos, separados uns dos outros.
- Isolar as éguas no final da gestação.
- Em caso de surto, estabelecer uma quarentena de, no mínimo, um mês, após o último caso de aborto por herpesvírus.
Para imunizar os equinos contra a rinopneumonite, podem ser usados três tipos de vacinas:
- A com vírus vivo modificado.
- As inativadas convencionais.
- As inativadas subunitárias.
As primeiras vacinas contra herpesvírus utilizavam vírus vivo atenuado. Estas vacinas são hoje em dia pouco usadas porque podem:
- Provocar doença, devido ao risco de reversão da virulência ou contaminaçãoo por outros agentes patogênicos.
- Induzir infecção latente nos animais vacinados.
- Associar por recombinação genética com uma cepa selvagem e favorecer o aparecimento de novas cepas.
O uso dessas vacinas atenuadas parece ter favorecido principalmente a disseminação das cepas abortivas.
As vacinas inativadas são mais seguras, não provocando doença. Além disso, possibilitaram uma redução significativa do número de abortos a partir da sua introdução em vários países. No entanto, em alguns casos, estas vacinas inativadas, produzidas como herpesvírus total, provocam fortes reações locais e sistêmicas de hipersensibilidade.
Estas reações de hipersensibilidade estão associadas às proteínas do capsídeo. Por isso é que surgiu uma nova linha de vacinas formuladas apenas com as glicoproteínas do herpesvírus, as vacinas inativadas subunitárias, como podemos ver na fig. 2.
As figs. 3 e 4 apresentam os resultados de inocuidade e potência de diferentes vacinas formuladas com os vários componentes dos herpesvírus. Na fig. 3 podemos observar o aumento da espessura da pele, devido à reação de hipersensibilidade após inoculação intradérmica de diferentes frações de herpesvírus. A maior reação cutânea do nucleocapsídeo confirma que ele é o principal componente do vírus responsável pela hipersensibilidade; a fração do herpesvírus constituída por glicoproteínas não revela reação cutânea.
A fig. 4 apresenta a atividade imunogênica das diferentes frações de herpesvírus, expressa em percentagem de proteção. A eficácia da fração constituída pelas glicoproteínas é superior à das outras frações virais e mesmo à do herpesvírus íntegro.
Estes resultados obtidos a nível de laboratório foram confirmados no campo com as vacinas comerciais inativadas subunitárias formuladas com glicoproteínas de herpesvírus EHV1. Nas vacinas de subunidade viral, o herpesvírus é fracionado e suas diferentes partes são separadas. Apenas a fração de glicoproteínas do envelope viral é inoculada com o adjuvante. Esta vacina permite, portanto, maior imunidade, com menos riscos para os cavalos vacinados.
Atualmente, existem vacinas inativadas clássicas formuladas com o herpesvírus EHV1 e outras com a associação dos herpesvírus EHV1 e EHV4. Em termos teóricos, tal associação deveria permitir uma melhor abordagem sobre a profilaxia das herpesviroses equinas. Entretanto, levantam-se várias questões práticas:
- A resposta imunológica específica contra o vírus EHV4 seria igual entre uma vacina monovalente contra EHV1 e uma vacina que associa EHV1 e EHV4.
- O vírus EHV4 seria bem menos imunogênico do que o EHV1.
Assim, apesar da diferença antigênica entre o EHV1 e o EHV4, há uma proteção imunitária cruzada entre os dois tipos de vírus. Esta proteção depende da utilização de uma vacina com alto título antigênico e da repetição das vacinações. Testes sorológicos e desafios virais realizados em cavalos e hamsters demonstraram claramente que os dois vírus possuem antígenos comuns e que estes antígenos conferem boa imunidade cruzada.
Princípio da vacina subunitária
Aumento da espessura da pele após inoculação de diferentes frações antigênicas de herpesvírus
Percentagem de proteção ao desafio após vacinação com diferentes frações antigênicas de herpesvírus
Como vimos na patogenia da rinopneumonite, nos portadores crônicos, sob a influência de um estresse, os herpesvírus latentes podem reativar-se e multiplicar-se. A imunidade pós-infecção ou pós-vacinação não impede a latência nem a reativação do vírus.
Todos estes fatores:
- Existência de diferentes tipos de herpesvírus;
- Semelhança antigênica entre os vírus EHV1 e EHV4;
- Latência, reativação e re-excreção de vírus, mesmo na presença de anticorpos circulantes;
- Diferentes tipos de vacinas utilizadas;
- Ocorrência de reações adversas em animais vacinados;
- Necessidade de aplicar medidas sanitárias complementares, fazem com que a vacinação contra rinopneumonite continue sendo um tema controverso.
Quanto ao programa de vacinação para rinopneumonite com vacinas inativadas subunitárias, é preciso agir de forma semelhante à vacinação contra a gripe. Iniciar a vacinação dos potros com duas doses o mais cedo possível, por vonta dos 4 a 5 meses de idade, em filhos de éguas vacinadas; realizar a primeira vacinação de reforço 6 meses mais tarde e aplicar revacinações anuais de reforço.
Os veterinários, nos Estados Unidos, recomendam a revacinação a cada 6 meses.
Contra a forma abortiva da rinopneumonite, a adoção de um programa sistemático de vacinação das éguas proporciona uma redução significativa na taxa de incidência de abortos. Embora às vezes se observe a ocorrência de casos isolados, mesmo com a vacinação, é preciso reconhecer que a vacinação generalizada do plantel propicia uma evidente melhora tanto em termos médicos como econômicos.
Em resumo, a proteção dos equinos contra a rinopneumonite baseia-se em medidas sanitárias e em um programa de vacinação que utilize vacinas de boa qualidade e que abranjam todo a tropa.
Fonte: Merial
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