Nego Basilio, comissário de boiadas aposentado, mora em Trindade, perto de Goiânia. Vandes, a quem eu tinha entrevistado naquele dia, me levou até a sua casa e me apresentou a ele e sua família. Chegamos lá perto do fim da tarde e fomos muito bem recebidos. Nego Basilio tem um semblante tranquilo, sério e compenetrado. Conversamos no quintal da sua casa, na presença de sua esposa, d. Mariinha, companheira de mais de 50 anos:
- Nego, onde você nasceu ?
- Eu nasci em Monte Alegre, Minas Gerais, em 13/08/33, mas vim de lá pra Itumbiara (sul de Goiás) em 1945. Dali fui pra Buriti Alegre com 18 anos. Acabei me casando em Buriti e vim pra Trindade com 28 anos.
- E como começou com a vida de boiadas ? ...
- Ah, foi lá em Buriti mesmo, lá tinha muito comissário, muita boiada, eu arrumei trabalho de peão de boiadeiro e comecei a viajar pra Uberlandia, Araçatuba, Pereira Barreto.
- Quanto tempo você ficou de peão antes de virar comissário ?
- Eu comprei minha primeira tropa com uns 30 anos, eu já morava em Trindade ... comprei fiado com um amigo, paguei depois. Eu fiz a primeira viagem de Iporá (oeste de Goiânia) pra Presidente Prudente, foram 72 marchas, eram 18 burros mais um cavalinho de madrinha (cavalo ou égua que viaja com a polaca, sempre desmontado, serve para agrupar a tropa em torno dele e ser facilmente localizado no pasto pelo barulho da polaca), na volta da viagem eu quis pagar a tropa com o dinheiro do serviço, mas ele me ajudou, falou que era pra eu ir pagando depois, aos poucos ... e assim comecei. Eu fiz muita viagem pro frigorífico Bourbon, em Goiânia, fiquei muitos anos puxando gado prá eles, uns 6 anos, trazia de dentro de Goiás mesmo, levava prá morrer no frigorífico.
- Então eram viagens mais tranquilas, mais curtas ...
- É, eu nunca perdi um boi sequer ... aliás eu só paguei um boi perdido, ele tinha ficado prá trás, o arribador foi pegar, achou o boi mas vendeu ... vendeu e voltou prá Trindade, tinha a festa de Trindade, ele queria vir prá festa, abandonou o serviço e veio gastar o dinheiro do boi. Mas, como o peão desapareceu, eu liguei pra casa, soube que ele tava na cidade, na festa, acharam ele prá mim, ele me pagou e eu paguei o dono da boiada, então eu mesmo nunca perdi um boi ...
- Tinha briga, você andava armado ?
- É, briga tinha, uma vez um peão esfaqueou o outro, ficou preso numa cidade perto, eu deixei ele lá, o outro seguiu comigo ... na volta soltei o peão que tava preso, ele voltou prá casa comigo, na boiada. Eu andava armado enquanto podia, depois proibiram ...
- Nego, e esse apelido, Nego Basilio ?
- Eu já era chamado de Nego desde neném, aí fui trabalhar lá em Jussara (noroeste de Goiânia), na fazenda de um Zeca Basilio, fiquei lá uns 6 meses só, mas o apelido foi ficando, era Nego do Basilio, aí virou Nego Basilio ...
- E quanto às viagens, teve alguma muito ruim e alguma muito boa ?
- Nunca tive uma viagem ruim, eu gostava de todas, mas teve uma que eu gostei muito, fui de Anicuns, aqui pertinho de Goiânia, prá Naveraí, no Paraná, foram 74 marchas, levei 1400 bois, foi uma viagem muito boa, muito bonita. Nós descemos de balsa no rio umas 48 horas, foi lá no Porto Independência, depois desembarcamos a boiada e toquei mais 15 dias por terra, a gente desceu o gado no Porto de Cauá ...
- Deu prá ganhar dinheiro ?
- Essa casa aqui, comprei em 73, na volta de uma viagem, fiquei com 13.000 limpo na mão, não sei que dinheiro era ... (era o cruzeiro e um salário mínimo naquele ano era de Cr$ 312,00) ... comprei essa casa e ainda fiquei com dinheiro, foi uma viagem de Itapirapuã (norte de Goiânia) pra Novo Horizonte, em São Paulo, foram 74 marchas ... eu também ganhava algum dinheiro vendendo burro da tropa, comprando burro no caminho, mais barato. Uma vez eu vendi 8 burros e fiz esse barracão que você tá vendo aqui do lado, só com o dinheiro de 8 burros ...
- Se pudesse voltar no tempo, faria a mesma coisa ?
- Ah, desde o tempo que tinha menos conforto, não tinha carroça, era tudo levado nos cargueiros, nos burros cargueiros, levava as roupas dobradinhas, bem guardadas, levava tudo, mesmo depois com as carroças, eu gostava de tudo ... o que piorou foi só os pousos, que no começo eram melhores, tinha pouso certo, era uns galpões onde a gente ficava, o gado ficava em curral ... depois os pousos foram acabando, começou a ter mais caminhão, menos viagem, então a gente tinha que armar a rede no tempo, a boiada ficava no curral de corda, mesmo assim, eu gostava, começava de novo, sim.
Nego Basilio fez a ultima viagem levando 1200 bois de Iporá até Novo Horizonte, em 62 marchas. Vendeu a tropa em 1996. Ele e d. Mariinha, aposentada do Estado, tiveram 3 filhas. Uma é médica e as outras duas professoras. Nego Basilio hoje recebe uma aposentadoria de um salário mínimo. Até hoje sonha com boiadas.
Goiânia, março de 2006.
Fonte: Foto Memória
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