Bem Vindo ao Blog do Pêga!

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Existe muita literatura sobre cavalos, mas poucos escrevem sobre jumentos e muares. Este é um espaço para postar artigos, informações e fotos sobre esses fantásticos animais. Estamos sempre a procura de novo material, ajude a transformar este blog na maior enciclopédia de jumentos e muares da história! Caso alguém queira colaborar com histórias, artigos, fotos, informações, etc ... entre em contato conosco: fazendasnoca@uol.com.br

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Conexão Cerebral

 

Nenhuma embocadura , em nenhuma época, teve o poder de realizar o que os seus inventores preconizaram. Poucas ferramentas foram alvo de tanta mistificação quanto os freios e os bridões do passado e a sua eficiência foi sempre enormemente exagerada. Mas uma coisa é certa: o poder de destruição de uma embocadura é enorme. O mau uso das embocaduras é o maior responsável por todos os animais imprestáveis que já habitaram e ainda habitam este planeta. Mas, com o tempo e com o desenvolvimento tecnológico, as embocaduras se tornaram mais simples, suaves e inteligentes — e no século 21, com a ajuda da neurociência, a sua ação positiva e negativa pode ser definitivamente compreendida.


A questão mais polêmica da equitação sempre foi o critério do uso das embocaduras (1). Tipos deferentes de animais recomendam tipos específicos de embocaduras? Trabalhos ou esportes diferentes recomendam o uso de embocaduras diferentes? Idades diferentes exigem embocaduras diferentes? O animal tem de gostar da embocadura? A embocadura deve ser um meio de indução ou uma ferramenta para a subjugação? E, finalmente, o animal para ser montado, tem de usar embocadura, ou existiria outro meio para se controlar? Estas perguntas foram formuladas por todas as gerações de cavaleiros através da história, cada povo encontrando a sua própria solução dependendo do seu estágio de evolução cultural. Quanto mais atrasada a comunidade, mais cruéis as suas embocaduras.


Na Antigüidade, os primeiros cavalos utilizados para o transporte de pessoas utilizavam uma argola no nariz, como os bois de carga. As primeiras gerações de nômades da Ásia Central provavelmente usaram barbicachos (2) como o meio de conduzirem e pararem os seus cavalos. Na Grécia Antiga, as embocaduras eram verdadeiros instrumentos de tortura. Os gregos do século 5 antes de Cristo (e antes de Xenofonte), usavam um freio-bridão (3) construído com tantas peças de metal diferentes colocadas ao longo da barra rígida (4) , que era capaz de transformar o céu da boca do animal num inferno. Os pilotos de biga egípcios – aqueles que perseguiram os israelitas Mar Vermelho adentro – usavam um tipo de freio liso parecido com o atual pelham (5) , mas as argolas de ligação com as rédeas, no canto da boca, tinham cinco pontas viradas para dentro, como a coleira de um cão mastim. Apesar do gênio inventivo dos gregos, o maior desenvolvimento na mecânica das embocaduras foi promovido pelos Celtas (6) . Os gauleses, que invadiram a Ásia Menor no século 3 aC., inventaram um bridão muito próximo do moderno, e o atual freio com passador de língua (7) e barbela (8) , foi também uma contribuição desses bárbaros. No tempo de Átila, 400 dC os hunos já usavam um bridão simples, semelhante ao da atualidade.

 
Na Idade Média, os violentos freios (9) com barbela eram utilizados para darem aos cavaleiros maior domínio sobre o animal, já que as suas mãos estavam ocupadas para manejar o escudo, a espada ou a lança, durante as cargas de cavalaria. Na Renascença, quando a equitação ocidental recomeçou de forma sistemática, as embocaduras ainda eram todas do tipo freio, isto é, com barras rígidas, ou enormes argolas internas equipadas com rodinhas e até sininhos! As câimbras (10) eram longas para aumentar a alavancagem e produzir mais dor. Como já vimos na Escola Napolitana de Equitação, dirigida por Federico Grisone, contra a lei do mais forte usava-se a lei do mais cruel. Grisone recomendava cavalgar “com uma embocadura suave e mãos delicadas... porque, fique certo de que é a arte e a boa técnica de equitação que fazem uma boa boca, e não a embocadura”. Mas isso era o que ele dizia, mas obviamente não fazia. Na Europa, até o século 19, a embocadura era considerada a ‘chave’ para a boa equitação e eram usadas como uma ferramenta para a subjugação do animal. Nas culturas atrasadas, que ainda praticam a baixa tecnologia eqüestre é comum, quando o cavaleiro não consegue dominar o cavalo, ele passar a usar uma embocadura mais pesada (11) . Isto é como um mau jogador de futebol que, não conseguindo fazer gol, pede para trocarem a bola, ou o mau pintor que, vendo ‘la merde’ que está a fazer, pede para lhe substituírem o pincel. A embocadura, como qualquer outra ferramenta – serrote, pincel ou bisturi – não possui competência própria. Ela transmite a habilidade de pessoas competentes — o resto é ignorância pura, uma doença que, aparentemente, nunca teve cura. “A embocadura não deve incomodar mais a um cavalo treinando do que a gravata a um homem trabalhando”, ensina Gabby Hayes.


O pensamento mecânico da equitação, que grassou da Idade Média até a atualidade, produziu uma variedade infinita de embocaduras, cada qual com ‘recomendações’ para o seu uso. Uma embocadura era idealizada para ‘realizar’ uma determinada operação mecânica e resolver certos ‘problemas’ do animal, como se ela fosse uma roda dentada dentro de uma máquina. Ainda no século 19, L. Picard, instrutor da Escola de Saumur, publicou o livro Origines de l’École de Cavalarie et de Ses Traditions Équestres, que apresenta uma relação de 150 embocaduras, cada qual com uma ‘recomendação’ de uso. Haviam embocaduras indicadas para éguas prenhes, cavalos turcos, puro sangue inglês, cavalos que ‘disparam’, cavalos que ‘boleiam’ etc (12) . Como se fossem fechaduras, pensava-se que cada tipo de animal necessitava de uma embocadura própria que seria a ‘chave’, para a boa equitação! Isto tudo, para os nossos ouvidos afinados por pesquisas de Pavlov a James Rooney, soa como um imenso besteirol.


Monsieur de Pluvinel (sempre ele), menciona em seu livro Le Maneige Royal o número exagerado de embocaduras usadas em seu tempo, e declara só usar doze ou treze embocaduras em seu trabalho. Mas ele não explica a diferença funcional de um freio para o outro.


A revolução tecnológica e o novo entendimento do sistema neurológico, deverão mudar radicalmente a concepção do uso das embocaduras. A função da embocadura, na equitação de alta performance, não é a de ‘puxar’ mecanicamente a cabeça do animal de um lado e para o outro, para fazer as mudanças de direção, ou para ser puxado para trás na hora de parar o animal (como ainda se faz na montaria caipira). Sabemos hoje que a embocadura está posicionada num ponto da anatomia — a boca — que, por ter importante função na seleção dos alimentos do animal, reúne grande número de sensores nervosos. A mão do cavaleiro, como a boca do animal, é um órgão que possui grande quantidade de terminais nervosos ligados ao cérebro porque, antropologicamente, o Homo faz com as mãos o mesmo trabalho de seleção alimentar que o Equus faz com a boca. Por isso, a rédea conectada entre as mãos sensíveis do cavaleiro e a boca sensível do animal é o ‘fio condutor’ que leva e traz informações do cérebro humano para o cérebro eqüino, e o faz perceber a indicação dos ‘movimentos finos’ da equitação (13) . A embocadura deverá, no máximo, dar uma leve vantagem mecânica para o cavaleiro determinar a amplitude das passadas e o limite de seus movimentos finos – vantagem que se tornará cada vez mais desnecessária com o avanço da fusão neurofisiológica entre o cavaleiro e o animal. A rédea também permite ao cavaleiro sentir os movimentos horizontais do animal — o alongar e o reunir do seu corpo – para que este transmita, com pressões exatas nos momentos certos, os seus comandos de alongamento e reunião em forma de leves contrações dos dedos, sinais que a embocadura retransmite para o cerebelo do animal, que o decodifica e ajuda a deflagrar automaticamente a ação reflexa solicitada, e que foi automatizada durante os treinamentos. Por estas razões, eles não devem ser controlados através da alavancagem bruta da embocadura, porque isto destrói a sensibilidade dos seus terminais nervosos e reduz a sua capacidade de dar respostas reflexas aos comandos do cavaleiro.


Quando o General L’Hotte, no final do século 19, fez a famosa reprise de Dressage, com as rédeas substituídas por um barbante, onde a platéia pôde ver que não havia o uso da força na sua equitação, ela foi, é claro, uma demonstração dessa realidade neurológica antes de se conhecer as razões que possibilitavam o fenômeno fisiológico da equitação. Os leves toques de mãos combinados com sutis pressões de pernas, são captados pelos nervos sensores do animal, levando-o e ao cavaleiro a evoluir na pista como um só. Dois seres neurologicamente conectados com um fluxo de informações trafegando, em milésimos de segundo, nos dois sentidos, retroalimentando continuamente as complexas ações de mudanças de velocidade e direção. Os comandos reflexos do cavaleiro e as respostas reflexas do animal relampejam, de sistema nervoso a sistema nervoso, no tempo de milésimos de segundo — as correções de velocidade e direção ocorrerão em centésimos de segundo e as vitórias esportivas ocorrerão com diferenças de décimos de segundo.


O bridão é a embocadura indicada para iniciar a maioria dos animais. Na fase do aprendizado, em que ele ainda se movimenta com desequilíbrio, um freio pode causar danos aos sensores nervosos da sua boca. Entretanto, o cavalo destinado ao turfe, cross, ou o salto clássico, modalidades que exigem pouca ‘reunião’ do animal, pode permanecer, depois da doma e do adestramento, usando o bridão por toda a vida. Para o dressage e a alta escola, que precisam de grande ‘reunião’ do cavalo, a combinação simultânea do freio com o bridão tem sido o mais indicado – o freio para induzir os movimentos finos e o bridão para coordenar os movimentos amplos. Alguns animais não toleram qualquer tipo de embocadura e, principalmente durante o adestramento básico, o uso do ‘hackamore’ (14) costuma resolver este problema. Para o salto e o enduro, duas disciplinas que exigem pouca reunião dos animais, o ‘hackamore’ também tem funcionado com sucesso de modo permanente.


Na fase da doma, que envolve a organização dos primeiros reflexos automatizados da equitação, o bridão é acionado com função mecânica, e na etapa do adestramento básico a embocadura atua para auxiliar no reforço dos comandos de assento e pernas que, quando automatizados pelo animal, substituirão a ação direta da embocadura. Na fase de adestramento adiantado, a embocadura, quando levemente acionada, indica a posição de cabeça e a reunião dos membros que o animal deve assumir para determinados movimentos da equitação. Podemos dizer que uma importante função da embocadura é também controlar o elemento ‘timing’ dos esportes eqüestres. Com a embocadura, o cavaleiro sinaliza com as mãos a progressão necessária para a aproximação de um obstáculo ou o avanço preciso de um movimento de passage (14) .


Nunca permita a cavaleiro iniciante, que ainda não tenha adquirido equilíbrio, acionar uma embocadura. Os estragos que essa pessoa inadvertidamente pode causar ao animal poderão ser permanentes. Alguém disse uma vez que ‘uma embocadura na mão de um novato solto na pista é como uma navalha na mão de um chimpanzé solto num berçário’.


Infelizmente nunca descobrimos uma forma mais eficiente do que a embocadura para nos ajudar a controlar os Equus. E enquanto não surgir uma solução superior o melhor é utilizar o bridão “com determinação de aço e mãos de seda”, como já disse Gabby Hays.


A embocadura foi a solução que mais problemas criou na história da equitação. O Homo, com a sua ascendência ‘habilis’, desenvolveu uma tendência manipulativa onde procura resolver tudo com as mãos. O cavaleiro que pilota manualmente o seu animal acaba destruindo os terminais nervosos da boca deste tornando-o ‘duro’, ou melhor, insensível. ‘Desligar’ os nervos sensores da boca foi a melhor defesa encontrada pela natureza para aliviar o sofrimento de animais mal equitados.


(1) Embocadura: Termo genérico para designar freios e bridões, é a ferramenta que, colocada na boca do cavalo e ligada às mãos do cavaleiro através das rédeas, ajuda a conduzi-lo.
(2) Barbicacho: tira de couro ou corda, amarrada em torno da mandíbula do cavalo, de onde partem as rédeas para o comando do cavaleiro. Substitui a embocadura.
(3) Freio-bridão: Embocadura que reúne a ação de quebra nozes do bridão, as câimbras de alavancagem mecânica do freio com barbela, sendo acionada com apenas duas rédeas em uma única ação. Seu uso não é recomendável, pois não permite ao cavalo encontrar sua ‘zona de conforto’. Não confundir com as duas embocaduras – o freio e o bridão – usadas simultaneamente em Dressage e que são acionadas por quatro rédeas.
(4) Barra rígida: A peça da embocadura que pousa em cima da língua do cavalo e liga as duas hastes.
(5) Pelham: Embocadura equipada com barbela, com ou sem passador de língua. A sua construção se diferencia do freio convencional por ter quatro argolas para a fixação das rédeas. Duas argolas na altura da barra e duas argolas nas pontas das hastes. Estas argolas são ligadas a quatro rédeas que poderão então ser acionadas com pressões e sutilezas variadas.
(6) Celtas: Povo que surgiu na Europa Central no II milênio AC, descendentes de danubianos neolíticos e de nômades vindos das estepes. Conquistaram a Gália, parte da Espanha, Portugal, as Ilhas Britânicas, extensões da Europa Central e perpetuaram-se na Irlanda.
(7) Passador de língua: Curvatura na barra de muitos tipos de freios que impede o cavalo de passar a língua por cima da barra da embocadura.
(8) Barbela: Corrente afixada as câimbras do freio e que passa por baixo do queixo do cavalo para tornar a ação do freio mais forte.
(9) Freio: Um tipo de embocadura com barra rígida, câimbra e barbela.
(10) Câimbra : (haste, perna ou ramo): A peça do freio que une a barra à rédea e serve de alavanca, em combinação com a barbela, para tornar a ação do freio mais forte.
(11) Embocadura pesada: É considerada ‘pesada’ a embocadura capaz de provocar muita dor, como o freio e o freio-bridão; embocaduras ‘leves’ são os bridões com as barras grossas.
(12) A moderna teoria da ‘Zona de Conforto’ explica como os animais buscam a sua ‘zona de conforto’ em qualquer circunstância da sua vida. Aplicando esta teoria à equitação fica claro que o uso de embocaduras está relacionado exatamente com a busca do conforto do cavalo. Quando o animal está executando o movimento desejado, na velocidade adequada, a embocadura não deverá estar em ação e o cavalo precisará estar na ‘zona de conforto’. A embocadura é utilizada para induzir o animal ao movimento desejado e liberado assim que o movimento estiver sendo cumprido. Quando isto ocorre, o adestramento do cavalo caminha para o sentido total de liberdade como você verá no capítulo ‘Desvendando o Enigma do Centauro’.
(13) Na neurofisiologia da equitação as pernas do cavaleiro comandam os movimentos amplos das pernas do cavalo e a embocadura transmite os movimentos finos.
(14) hackamore: Ferramenta que substitui a embocadura, e cuja função é pressionar o focinho do cavalo em vez de puxar a boca. No Brasil também é conhecida como “professora”, porque pode ser usada como um estágio anterior ao uso da embocadura. Sua ação pode ficar muito pesada dependendo das câimbras e da barbela.
(15) Passage: Figura executada no Dressage, onde o cavalo executa o trote lento, cadenciado e reunido, com pouco avanço, alternando de uma troca de apoio diagonal para a outra, com um definido momento de suspensão entre cada troca de apoios.

Texto Adaptado. Autor: Bjark Rink
Fonte: http://www.desempenho.esp.br/livro/get_capitulo.cfm?id=708

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