Bem Vindo ao Blog do Pêga!

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Na rota dos caminhos da estrada real e dos tropeiros

 

Resumo
De  tempos em tempos as sociedades elegem temas históricos e os pesquisadores os trazem à luz. Um destes temas atuais, que fervilha em publicações e interesses gerais, são os caminhos da Estrada Real e os tropeiros que trafegavam por ela. Quais eram as rotas da Estrada Real e quem eram os tropeiros? Para responder a essas questões, partiremos de uma explanação geral sobre o tema para chegar ao particular, foco central deste artigo, ou seja, o desenrolar destas atividades em Itabira.

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A História, diferente do que o senso comum costuma pregar, não é imutável, e sim  algo vivo, sempre pronto a revolver-se como o magma da terra que fende a crosta. A pesquisa histórica é o descortinar de um passado que não se aquieta, que se revolta com o silêncio e com o esquec imento  e anseia desvendar-se continuamente ao presente.


O nome Estrada Real era designado para denominar os caminhos de  propriedade da Coroa portuguesa no Brasil. De acordo com o historiador
Márcio Santos, durante longo tempo elas foram as únicas vias autorizadas de acesso à região das jazidas, para circulação de pessoas, mercadorias, ouro e diamantes. Constituía-se crime de lesa-majestade a abertura de novas rotas diferentes daquelas estipuladas e fiscalizadas pela coroa. Nelas, eram colocados postos de fiscalização e controle, denominados de registros, em locais estratégicos das estradas como desfiladeiros e às margens dos rios. Os registros eram de quatro tipos: Registros do Ouro, que fiscalizavam o transporte do metal e cobravam o quinto; Registros de Entradas, que cobravam pelo tráfego de pessoas, mercadorias e animais; Registros de Demarcação Diamantina, responsáveis pela cobrança dos direitos de entrada na zona diamantífera e pela repressão ao contrabando; e Contagens, que taxavam o trânsito de animais.

Muitas destas rotas utilizadas pela Coroa já existiam antes da chegada dos portugueses, pois eram caminhos indígenas que cortavam o “sertão” de leste a oeste, de norte a sul, no meio da mata virgem, possibilitando a locomoção   de um lugar a outro. Lembremos que o povoamento do Brasil aconteceu do litoral para o interior, misterioso e desconhecido, chamado de “sertão” pelos colonizadores. Os indígenas percorriam os caminhos do “sertão” através dessas trilhas abertas no meio da mata densa e foram algumas delas que deram origem à posterior Estrada Real.

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Eram três os caminhos principais da Estrada Real: o Caminho Velho ligava Minas Gerais à cidade de Parati, no Rio de Janeiro, passando pela província de São Paulo, o que atrasava bastante as viagens que podiam durar até três meses; o Caminho Novo ligava a região das minas diretamente à cidade do Rio de Janeiro e reduzia as viagens para até dez dias. Ao longo desse caminho – aberto no meio da mata por volta de 1700, por iniciativa de Artur de Sá e Menezes, governador da capitania do Rio de Janeiro – roças, pousos, ranchos e povoados foram formados como ponto de apoio para os tropeiros, mais tarde, cidades foram edificadas naquelas paragens; o terceiro caminho da Estrada Real era o Caminho dos Diamantes, que ligava a região de Mariana e Ouro Preto ao distrito Diamantino. É neste caminho que se encontra o distrito de Ipoema, pertencente a Itabira, além de outros municípios e distritos, tais como Bom  Jesus do Amparo, Senhora do Carmo, Itambé, Morro do Pilar, Conceição do Mato Dentro e Serro, culminando na cidade de Diamantina.


A Estrada Real foi utilizada, também, para povoamento das regiões mineradoras, principalmente de Minas Gerais, e tornou-se, após a exaustão dos metais preciosos, o tronco viário de circulação entre as províncias do centro-sul: Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

No final do século XVII, por volta de 1695, nas proximidades do Rio das Velhas, onde hoje se situam os municípios de Sabará e Caeté, bandeirantes paulistas encontraram as primeiras jazidas significativas de ouro em território brasileiro. Durante os quarenta anos seguintes (1695 a 1735), grandes quantidades desse metal precioso podiam ser encontradas em abundância no solo da então principiante Capitania de Minas Gerais e, ainda, nas regiões da Bahia, Mato Grosso e Goiás.

O ouro provocou uma grande corrida migratória para aquelas localidades. De acordo com o historiador Bóris Fausto, durante os primeiros sessenta anos do século XVIII (1701 a 1761), chegaram para as regiões das minas cerca de 600 mil pessoas vindas de Portugal e das ilhas do atlântico. Entre eles, vinham desde pequenos proprietários, padres, comerciantes, até prostitutas e aventureiros. Deslocaram-se, também, para as regiões mineradoras, expressivas parcelas da população nordestina, que trabalhava nas fazendas  do açúcar, bem como um grande número de escravos africanos e indígenas.

 

Com a corrida do ouro para as regiões mineradoras houve necessidade de organizar a sociedade das minas. Em 1711, o governador de São Paulo e Minas elevou os acampamentos de Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e Sabará à condição de Vila. Depois vieram Caeté, Pitangui, São João Del Rei, Itabira, entre outros. Ribeirão do Carmo foi a primeira vila a se transformar em cidade, em 1745, recebendo o nome de Mariana.

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Itabira foi uma dessas primeiras vilas mineiras, surgidas com o boom da mineração aurífera, nos anos iniciais do século XVIII. A palavra Itabira é uma denominação indígena que significa Pedra (Ita) Aguda (bira). O início da povoação ocorreu no fundo do vale, por causa do ouro de aluvião que ali podia ser encontrado com facilidade. No pequeno povoado, em meio às primeiras habitações, foi construída, em 1775, uma capela devotada a Nossa Senhora do Rosário, no lugar denominado Penha. A capela, ainda hoje, encontra-se no mesmo local. Em 1833, o povoado de Itabira do Mato Dentro foi elevado à Vila e, em 1848, à categoria de cidade.

A Itabira dos primeiros tempos é descrita da seguinte forma pelo poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade :

“ ... a primeira Itabira, a Itabira do ouro, essa não tinha outra forma senão a que lhe traçavam, com a ponta do pé, os desbravadores sequiosos, na sua ‘exploração insensata e ruidosa das lavras’, de que fala Eschewege. As leis vinham de Vila Nova da Rainha, para onde ia o trabalho e o suor dos mineiros, convertidos em impostos; as bençãos e as proibições morais vinham de Santa Bárbara, onde a igreja assentara a sua freguesia. Na encosta áspera, os pretos vibravam a picareta, mergulhavam os pés na água escassa e barrenta”.

A atividade aurífera foi, por vários anos, o que movimentou a economia local. Em 1814, Eschwege apresentou uma relação estatística de todas as lavras de ouro dos distritos da Província mineira e, somente no povoado de Itabira do Mato Dentro, estavam cinco lavras, que empregavam um total de 283 escravos, com uma produção de 13.746 oitavas de ouro. Esse número representava 6% do total de ouro extraído em toda a Província mineira, em 1814. Entretanto, a partir daquele ano, pela própria natureza exaurível do ouro de aluvião, a extração foi aos poucos escasseando e outras atividades, como a fundição do ferro, passaram a coexistir com ela.

Grande parte do ouro e do diamante que saía da região das minas e  passava pela Estrada Real era transportado nos lombos dos muares, conduzidos por tropeiros. Esse foi um dos principais meios de transportes até o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Pela Estrada Real não atravessavam apenas metais precisos, durante o boom aurífero, mas toda sorte de alimentos, armas, pólvora, aguardente, ferramentas, roupas, remédios, correspondências, informações e produtos trazidos da Europa, carregados pelas tropas de muares, guiadas pelos tropeiros. Somente a partir da construção das estradas de ferro, na segunda metade do século XIX, os tropeiros começaram a perder a sua principal função.

De acordo com o pesquisador Júlio Manoel Domingues, “tropeiro” era comumente o nome aplicado aos próprios donos dos animais, quase sempre fazendeiros e criadores que, para enfrentar alguns meses de viagem  formavam uma comitiva de peões, com seus diversos escalões de atividades. Segundo esse autor, o chefe era um capataz responsável, o arrieiro, às vezes o próprio dono das mulas, que seguia atrás do culatreiro, montado em uma  besta muito bem arreada. Contava com a ajuda dos demais camaradas: os tocadores, ou tangedores, peões que lidavam diarimente com os animais e tocavam seus lotes de xucros ou arreados; e o madrinheiro, menino que seguia à frente do dianteiro, na mula da cabeçada, montando uma égua mansa, a madrinheira, guiando a tropa ao som dos cincerros nela pendurados. Quando chegavam  ao pouso, o madrinheiro era encarregado de armar a  trempe e preparar o café e a comida – feijão de tropeiro, pirão de mandioca, carne de porco, carne seca, toucinho, farinha de milho e alguma  carne fresca de caça. Nas estradas mineiras e de todo o Brasil, a caravana se arrastava, dias, semanas, meses seguidos, sob o poeirão que a tropa levantava na estrada.

Em Ipoema, distrito de Itabira ficava uma importante paragem da estrada real. Ali, era ponto de passagem e repouso dos tropeiros com destino ao Arraial do Tijuco, atual cidade de Diamantina. O distrito Diamantino, como era conhecido, até o século XVIII foi o maior centro de extração de diamantes do país. Tropas de muares conduzidas por seus tropeiros passavam por Ipoema  levando alimentos, entre outros produtos, para a região do diamante e voltavam carregadas de metais preciosos levados até o Rio de Janeiro e, depois, para a Europa.

Inaugurado em 2002, o Museu do Tropeiro, situado neste distrito, reserva boas surpresas aos visitantes. Ali pode ser visto algumas vestimentas dos tropeiros, utensílios levados nas longas viagens, além de fotografias e apetrechos característicos usados nos animais que compunham as tropas, como arreios, esporas, guizos, entre outros. No total, são mais de 400 peças que compõem o acervo do Museu.

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O fotógrafo itabirano Brás Martins da Costa imortalizou com sua câmera um  grupo destes descontraídos viajantes, de passagem por Itabira, com seus longos bigodes, chapéus, montados nos respectivos animais.

 

Os Tropeiros e a Fábrica de Tecidos da Gabiroba


Além do transporte dos metais preciosos as tropas de muares, guiadas pelos tropeiros, transportavam alimentos, armas, pólvora, aguardente, ferramentas, roupas, remédios, correspondências, informações e produtos trazidos da Europa. Esses homens realizavam, ainda, a comercialização de produtos para as fábricas de tecidos mineiras: primeiro, para levar a matéria-prima  (algodão) às fábricas e, depois, para a venda das mercadorias produzidas (tecidos), o que tornava as atividades de tropeiros e de “cometas” uma prática essencial.

Em 1876 foi instalada na zona rural do município de Itabira do Mato Dentro uma fábrica de tecidos de algodão, a Companhia União Itabirana, conhecida como Fábrica de Tecidos da Gabiroba. Esta fábrica utilizava-se da mão-de-obra dos tropeiros e cometas para o abastecimento de seus teares com o algodão e, posteriormente, para a venda dos tecidos manufaturados. O senhor Afonso Camilo, ex-diretor da Fábrica da Gabiroba, contou-nos em depoimento oral que eram contratados dois tipos de viajantes: os “cometas” e os tropeiros. Os “cometas” eram homens que iam de município em município negociando os produtos da fábrica de tecidos, também conhecidos como caixeiro-viajantes, enquanto os tropeiros realizavam o transporte da matéria-prima e dos produtos acabados.

A Cia. União Itabirana possuía, em sua estrutura física, inclusive, um rancho para alojamento dos tropeiros e mantinha uma tropa de burros e viajantes fixos a seu serviço. Sobre os tropeiros e cometas que atendiam a Cia. União Itabirana, Alvim ( 1980) observou:

“Uma tropa de burros, da própria Companhia, garantia o transporte do algodão e do seu produto acabado. Parte deste trabalho era locado a tropeiros autônomos, antes do surgimento dos caminhões. Raro era o dia em que o rancho não fervilhava de tropeiros, com os seus caldeirões de feijão fumegante, enriquecido com carne-seca e torresmos. (...) A azáfama começava cedo, como recrutamento da tropa nos pastos, raspagem e tratamento dos animais, com bornais de milho, enquanto se procedia ao balanceamento das cargas. A madrinha da tropa era adornada com tiras  de  pano coloridas, chamadas “bonecas”, presas ao cabresto, enfeitando a testa do animal. A madrinha abria o cortejo à frente da tropa, balançando os seus guizos”.

Uma tropa de burros ficava à disposição da fábrica de tecidos. A chegada e  a saída da tropa movimentava o núcleo fabril formado pela Cia. União Itabirana. Além da tropa fixa, havia necessidade, ainda, de contratação de tropeiros autônomos. Dessa forma, sempre havia uma tropa chegando e  outra saindo da fábrica de tecidos. No pátio interno acontecia o carregamento dos produtos acabados e o descarregamento do algodão.

A passagem dos tropeiros e dos cometas, no núcleo fabril, configurava momentos de descontração e longas conversas ao redor dos caldeirões fumegantes, de que fala Alvim (1980). Ao percorrerem os caminhos mineiros, esses homens adquiriam e levavam informações por onde passavam, transformando-se em interlocutores de uma rede de informações que atravessava as Minas Gerais e deixava o núcleo formado pela Cia. União Itabirana informado do que acontecia em outras localidades.

Os adornos com tiras de panos coloridas e os guizos colocados na “madrinha” das tropas, eram simbologias que faziam parte das práticas culturais do universo dos tropeiros e cometas. Eles contavam com alimentação típica, vestuário apropriado e um comportamento específico adaptado às longas viagens e ao tempo que permaneciam distantes dos lares, dormindo em alojamentos e locais desconhecidos.


O Relatório apresentado aos  acionistas da Cia. União Itabirana, em agosto de 1901, informava sobre a contratação de outro viajante para a fábrica de tecidos.


“Verificando-se que somente um empregado viajante era por demais insuficiente para promover a liquidação, tão avultada é, como verei dos annexos, deliberamos tomar mais um outro e contractamos o sr. José Caldeira da Fonseca, que se acha em exercício desde o dia 22 do   passado. O Sr. Emílio Ferreira Pinto tem exercido a nosso contente as suas funcções e ao mesmo mandamos abonar uma gratificação de 500$000”. 

Pelo relatório da diretoria, percebemos que a fábrica de tecidos possuía, em 1901, apenas um viajante, o senhor Emílio Ferreira Pinto, que recebeu na ocasião uma gratificação pelos bons serviços. Outro viajante teve de ser contratado, o senhor José Caldeira da Fonseca, devido à necessidade verificada na fábrica. Sobre os tropeiros não há qualquer referência, possivelmente, eram contratados como autônomos, conforme sugerido por Alvim.

O senhor José Caldeira da Fonseca foi fotografado por Brás Martins da Costa. Na fotografia que se segue, pode ser observado o viajante, organizando uma tropa de seis burros para mais uma de suas longas viagens pelas estradas mineiras.

Um dos animais já estava pronto para a partida: devidamente selado, com as mercadorias dentro de dois grandes baús de madeira, cobertos com uma espécie de couro de boi para que a chuva e o sol não danificassem os tecidos. Os outros cinco animais ainda estavam sendo preparados. O viajante, com longos bigodes e ar sisudo, também se portava como preparado para a partida. O uso de esporas, presas às botas, indica que a partida seria em breve. Trajava vestuário típico dos viajantes do período, com  chapéu, casaco de manga comprida, para proteger os braços das intempéries dos caminhos, e calças dentro das botas de cano longo, para proteger as pernas durante as viagens.

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Nas estradas transportando alimentos, algodão, tecidos, mensagens, entre outros, estes homens prestaram seus serviços até serem substituídos pelas locomotivas e, mais tarde, pelos caminhões. Resgatar estas memórias e conhecer estes atores sociais é como trazer para o presente um eco do passado.

Pelas trilhas e caminhos trafegavam os tropeiros, conduzindo as tropas de fazenda em fazenda, de vila em vila, de uma província a outra. Cada dia em uma local idade e, durante as noites, pousando em ranchos cobertos de sapé, enquanto os animais descansavam no potreiro. Alguns homens jogavam truco para passar o tempo, outros, saudosos, sopravam uma gaita ou de dilhavam uma viola, declamando as saudades de casa, das famílias e as agruras da vida tropeira, conforme mencionado por Júlio Domingues.

O vestuário, a alimentação, o linguajar e os hábitos desses homens constituíam parte significativa de uma cultura peculiar, que as sociedades atuais buscam conhecer. Alguns de nossos hábitos é herança do tropeirismo, entre eles o de consumir o conhecido “feijão-tropeiro”, feito com feijão, farinha de mandioca, toucinho, lingüiça e couve picadinha.

O viajante Saint-Hilaire observou que no silêncio das matas podia ser ouvido, constantemente, o eco das vozes dos tropeiros e o ruído dos guizos da madrinha da tropa. Se aguçarmos os ouvidos da nossa imaginação, podemos “ouvir” as vozes dos tangedores, dia após dia, entoando pelas estradas mineiras a lida: “ôoooa, Pintado!”, “eia, Ventania!”, “avante, Trovão!”, “vamo, Pensamento!”, “arre, Alazão!”, “levanta, Castanho!”.

Autora: Cristiane Maria Magalhães

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