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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Interligando a Colônia A ação dos tropeiros no Brasil dos Séculos XVIII e XIX

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como base uma monografia que realizei no Segundo Semestre de 1999 para o curso de História do Brasil Colonial II, tendo como professor o incrível István Jancsó.

A fundamentação teórica se deu com base em livros clássicos com base fundamental no estudo econômico da história, como os de Mafalda P. Zemella (O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII), Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemoporâneo (colônia) e História econômica do Brasil) e Celso Furtado (Formação econômica do Brasil). Outros autores que usei como base foram Bóris Fausto, Sérgio Buarque de Holanda e o controverso Ellis Júnior.

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Minha intenção foi a de estudar as relações econômicas dentro do Brasil colonial a partir do caso específico da ação dos tropeiros. Tais homens foram responsáveis pela formação de um grande movimento de comércio que acabou interligando diferentes e longínquas áreas da colônia.

Sua ação teve como base a comercialização de bens importados da Europa, além do comércio de mulas provenientes das grandes fazendas produtoras no Rio Grande do Sul. O destino dos produtos era o exigente mercado consumidor das Minas Gerais, aquecido pelas descobertas das jazidas auríferas e diamantinas.

Praticamente não havendo produção de tais mercadorias na área mineradora, cresceu a força e a importância dos tropeiros, que passaram a abastecer a região tanto de produtos de necessidade básica para a alimentação quanto para o trabalho assim como de produtos de luxo procurados pelos novos ricos no auge da febre mineradora.

É esta a relação que pretendo estudar: Como a ação dos tropeiros, no século XVIII - em decorrência do comércio de mulas a partir do Rio Grande do Sul, com os mercados em São Paulo e o destino final nas Minas Gerais - acabou resultando finalmente na unificação dos diversos núcleos coloniais portugueses e possibilitou assim a criação de um conjunto colonial que passaria depois a ser o Brasil.

A busca pelo ouro

Desde o início da colonização portuguesa na América, o governo sempre esteve preocupado com o descobrimento de minas de metais preciosos, já que as possessões espanholas no mesmo continente assim que foram conquistadas passaram a fornecer tais metais à metrópole.

Esta busca não foi fácil. Somente depois das chamadas "entradas" e "bandeiras", dois séculos, foram descobertas as primeiras grandes jazidas de ouro na América portuguesa.

Entrando continente adentro, buscavam principalmente índios que eram absorvidos pelo crescente mercado consumidor. Porém, havia também sempre o interesse do encontro de metais e pedras preciosas. Assim, em 1696, finalmente são localizadas as primeiras jazidas consideráveis de ouro na América portuguesa.

A notícia se espalhou pela colônia e pelo Reino e grandes ondas migratórias surgiram desde Portugal, das ilhas atlânticas, de outras partes da colônia e de países estrangeiros.

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Neste período, de 1700 a 1760, calcula-se que por volta de 700.000 pessoas tenham imigrado para o Brasil tendo como destino as Minas Gerais, fora os incalculáveis escravos africanos.

Tais dados, se considerados proporcionalmente com a população do Reino, e mesmo colonial, são de grande vulto visto que a população total do Reino não passava dos dois milhões de habitantes.

No início, o governo português viu com bons olhos a imigração para a zona mineradora, visto que havia um excedente populacional em determinada áreas - como as ilhas atlânticas - e desejava-se o quanto antes o crescimento da mineração.

Logo se observou que não era necessário o estímulo e sim que se freasse o fluxo populacional já que este estava gerando o abandono dos campos em Portugal e na colônia, assim como o crescimento estrondoso do processo inflacionário devido à grande busca por produtos de primeira necessidade por parte dos mineradores com grande quantidade de dinheiro em mãos.

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Problemas no inicio do processo minerador

Assim que as primeiras minas começaram a funcionar, a população passou por grandes momentos de necessidades. Segundo Zemella: "Não é fácil abastecer centros populacionais nascidos quase da noite para o dia. Havia gente demais para ser alimentada, vestida, calçada e abrigada. O abastecimento das minas tornou-se um problema que por vezes se apresentou quase insolúvel, sobrevindo crises agudíssimas de fome, decorrentes da total carência de gêneros mais indispensáveis à vida" (ZEMELLA. 1990:191).

Estas crises de fome afligiram a zona mineradora por longos períodos, quando se chegou inclusive a interromper os trabalhos extrativistas para a produção de gêneros alimentares. Tais crises de fome, foram muito fortes no anos de 1697-1698, 1700-1701 e em 1713.

Podemos perceber que as primeiras crises aconteceram quando os núcleos urbanos e as rotas para as Minas Gerais ainda eram extremamente precários. Já a crise do ano de 1713 mostra que a situação continuou a mesma por muito tempo, devido inclusive à omissão e ganância da Coroa que em diversos momentos prejudicou drasticamente a população para defender determinados monopólios lucrativos como o do sal, por exemplo.

Porém, as crises de fome não foram de todo ruim e inúteis, afinal com a dispersão dos mineradores, muitas novas jazidas foram descobertas, ao mesmo tempo em que começou a ser implantada na região uma pequena pecuária, principalmente de suínos nos quintais das casas - mesmo as da vilas.

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Outro grande problema que surgiu em toda a colônia, mas principalmente na capitania de São Paulo foi o relativo ao despovoamento de grandes áreas devido às migrações internas para a região das Minas. Assim, regiões como as de Taubaté, Guaratinguetá e Itú foram fortemente abaladas devido ao descobrimento das minas auríferas.

Mesmo o Nordeste, tradicional centro econômico da colônia, sofreu profundas alterações devido às minas. Os Senhores de Engenho, abatidos com a crise da cana de açúcar e interessados em grandes lucros, passaram a vender grande parte de sua mão de obra escrava para a próspera região das Minas, despovoando assim os canaviais mas mantendo ao mesmo tempo o mesmo fluxo de caixa antigo.

Este comércio era ilegal e combatido, mas se dava principalmente com o auxílio da excelente via de contato que era o Rio São Francisco. O contrabando, de escravos e gêneros de toda espécie, foi muito grande entre as regiões mineradoras e as dos canaviais. Provas disso são, por exemplo, as suntuosas igrejas construídas por todo o Nordeste com os recursos captados na crendice do povo e com o ouro das Minas.

Os principais problemas enfrentados pelos mineiros em seus primeiros momentos surgem devido a alguns fatores facilmente reconhecidos e listados por Zemella. São eles: o afastamento dos centros de produção, a pequena produção nas zonas abastecedoras, pouca tradição de comércio interno à Colônia, dificuldade de obtenção de moedas, poucos e precários meios de transporte, dificuldades na conservação de víveres e problemas com pesados impostos para a importação.

O mercado consumidor

Apesar destes problemas que muitas vezes se tornaram crônicos, a zona mineradora conseguiu com o tempo manter uma rotina clara de rotas de comércio que a mantinham sempre abastecida de todo o tipo de produtos necessários e supérfluos.

Isto se deu devido principalmente à rápida concentração de capitais, o que chamou a atenção de toda a colônia, que passou a produzir muitas vezes em função do mercado mineiro - este maior do que o da cana de açúcar mesmo em seu auge.

Desta forma, a partir do rearranjo interno da colônia, não ocorreram mais as crises de fome. Estas, geravam principalmente a alta dos preços, a paralisação dos trabalhos extrativos, a dispersão dos mineradores, a criação de roças locais, o retorno de migrantes às suas regiões de origem, as mortes por inanição, além de contribuírem também para a exaltação dos ânimos e o início da Guerra dos Emboabas.

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Um grande problema enfrentado pela Coroa com relação às Minas Gerais foi relacionado à moeda. Inicialmente, adotou-se o ouro em pó como moeda, porém este sistema burlava facilmente o Real Erário, que buscava principalmente o imposto do quinto - um quinto da produção mineira era destinado à Coroa. Além disso, um truque muito comum que passou a ser utilizado foi o de adicionamento de outros metais ao ouro em pó, especulando-se assim sobre o nobre metal.

Procurou-se desta forma, impedir a livre circulação do ouro em pó a partir da criação das casas de fundição em Vila Rica, Sabará, São João Del Rey e Vila do Príncipe, para citar somente as dentro do centro minerador. Desta forma, as barras de ouro com o selo real passaram a ser a moeda local, sendo o ouro em pó permitido somente em pequenas quantidades.

Porém, este sistema também não funcionou pois passou-se a raspar as barras para o recolhimento de ouro, além da falsificação de barras com o selo do quinto. Finalmente, em 1825 foram criadas casas da moeda na região e ao mesmo tempo o governo tentou impedir a entrada de moeda para que os mineradores se vissem obrigados a cunhar seu ouro para poder utiliza-lo.

O sistema de coleta de impostos da Coroa era extremamente rígido na zona mineradora, pois o ouro e os diamantes são produtos que podem ser transportados facilmente muitas vezes de forma ilegal.

Para evitar isso, criou-se uma cota anual obrigatória de 100 arrobas - aproximadamente uma tonelada e meia - de ouro. Quando tal taxa não era alcançada, supunha-se que a evasão havia aumentado e assim dividia-se entre a população a quantia "devida" ao governo.

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Como em todas as épocas de abertura de minas, a ganância subiu à cabeça dos mineiros, que passaram a comprar escravos em um sistema de pagamento a prazo com juros exorbitantes de cerca de 25 a 30% ao ano. Imaginando que com quantos mais escravos tivessem, mais ouro iriam obter, muitos mineiros se endividaram e acabaram perdendo tudo o que tinham - inclusive escravos e jazidas. Outro fator que não foi considerado na hora dos cálculos para a procura pelos empréstimos foi a sonegação por parte dos próprios escravos, que muitas vezes escondiam parte do produto de seu trabalho e gastavam-no em bebidas alcoólicas e tabaco principalmente. Tais produtos eram utilizados para suavizar o árduo trabalho na busca pelo ouro.

É interessante observar o rápido crescimento das compras de produtos supérfluos à medida em que a quantidade de ouro e diamantes aumentava. Passaram a chegar à região produtos das mais variadas origens, desde louças e tapeçarias da China e da Índia, até veludos, vinhos e queijos da Europa.

Porém, não só produtos banais foram importados para as Minas. Também o eram todo o tipo de produtos que não podiam ser produzidos na colônia, assim como o ferro com seus exorbitantes preços, e os escravos africanos indispensáveis ao trabalho.

Na ordem de prioridades de compras listada por Zemella, podemos ver que os produtos que encabeçam a lista são: sal e carne, seguidos de ferro e aço, armas e escravos, vestimentas e calçados, animais e artigos de luxo. A autora coloca à parte o tabaco e a aguardente por considerar estes dois produtos essenciais para o trabalho árduo na mineração.

Entretanto, devido aos altos preços dos produtos e às crises de fome, muitas vezes animais e escravaria passavam necessidades diretas por falta de alimentação e de itens muito importantes, tais como o sal por exemplo. Enquanto os animais apenas morriam ou se enfraqueciam, muitas vezes os escravos se rebelavam ou partiam para o mundo do crime para tentarem amenizar tal situação.

Enquanto muitas negras - escravas e forras - vendiam diretamente seus produtos nas jazidas propriamente ditas, lojas e vendas ajudaram a formar as primeiras aglomerações populacionais, que depois se tornaram vilas e finalmente cidades.

Escassez de produtos em outras províncias

Um dos primeiros reflexos do boom econômico da zona mineradora foi a escassez imediata de produtos e serviços, além da inflação, nas demais capitanias da colônia portuguesa na América.

Enquanto mineiros apresentavam recursos financeiros suficientes para a compra de comidas, vestimentas e animais de toda a colônia, as outras capitanias mantiveram-se estagnadas inicialmente e desta forma sofreram com a debandada de alimentos, animais e prestadores de serviço para esta área agora mais interessante.

A especulação sobre os produtos chegou a níveis alarmantes, onde as Câmaras Municipais tentaram interferir para impedir a falência social e econômica das cidades, pois enquanto os produtos se tornavam cada vez mais caros e inacessíveis, profissionais como ferreiros, padeiros, marceneiros e oleiros se transferiram para o emergente e promissor mercado.

Porém, passado este momento inicial de caos econômico na colônia, ela passou a se reformular em torno de tal mercado consumidor gigantesco que foi criado, o que possibilitou o desenvolvimento de zonas especializadas na criação, engorda ou negociação de animais, por exemplo.

Especialização da produção

Tal especialização na produção pôde ser vista em todas as regiões da colônia. Enquanto o Sul se afirmava cada vez mais como o centro produtor de animais de carga e tração em grandes fazendas produtoras, a região de Curitiba passou a engordar tais animais após a longa viagem.

O Rio de Janeiro, passou a se tornar a principal cidade da colônia - e posteriormente, sua capital - devido à influência direta do próximo mercado consumidor mineiro, que com a abertura do Caminho Novo passou a se utilizar deste porto para as suas importações e exportações em detrimento de Santos, no litoral paulista, que vinha sendo utilizada anteriormente.

São Paulo, e mais especificamente a região de Sorocaba, se especializou na comercialização dos animais de carga. A citada cidade criou uma grande feira de animais, que ocorria anualmente entre os meses de abril e maio. Em tal feira, cerca de 30.000 animais eram vendidos anualmente, sendo que destes, metade era proveniente da região dos pampas.

Até o surgimento deste novo mercado, a produção paulista era restrita ao seu próprio mercado interno, sendo diminuta. Após as Minas Gerais, São Paulo foi conquistando cada vez mais força e poder dentro da nova ordem econômica e social, passando em 1709 a ser uma província distinta do Rio de Janeiro. Em 1720, as Minas Gerais deixam de fazer parte desta província e passam a ser geradas independentemente.

Um fator interessante da especialização regional na produção em decorrência do crescimento do mercado mineiro foi a existência de cidades especializadas em "fornecer" tropeiros. Este era o caso de Mogi-Mirim, Campinas e Jundiaí, mas com principal destaque nesta última. Lá, concentrava-se grande parte da mão de obra que após as feiras era empregada para levar as mulas até a região onde seriam vendidos e utilizados.

O tropeiro

"Outra característica da economia mineira, de profundas conseqüências para as regiões vizinhas, radicava em seu sistema de transporte. Localizada a grande distância do litoral, dispersa em região montanhosa, a população mineira dependia para tudo de um complexo sistema de transporte. A tropa de mulas constitui autêntica infra-estrutura de todo o sistema. (...) Criou-se, assim, um grande mercado para animais de carga" (FURTADO, 1979).

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Como fica bem destacado neste trecho de Celso Furtado, o tropeiro passou a ser o principal, senão o único, abastecedor do mercado das Minas Gerais. Tradicionalmente, se associa à imagem do paulista, o tropeiro, mas tal imagem é infundada visto que grande parte dos paulistas foram em direção das Minas, ficando assim a atividade comercial dos tropeiros ligada principalmente a grupos de portugueses.

Primeiramente, os tropeiros se utilizavam do lombo escravo como meio de transporte para as suas mercadorias, mas com a abertura de novos caminhos e melhora dos antigos, passou a ser utilizado substancialmente o lombo das mulas para tal tarefa.

Inicialmente, o comércio era realizado a partir ou do Caminho Paulista ou do Caminho Velho do Rio de Janeiro. O primeiro, levava dois meses para chegar às Minas via Vale do Camanducaia, Mogi-Mirim e garganta do Embu. Já o segundo, se utilizava também de transporte marítimo - o que era um inconveniente - e durava aproximadamente 43 dias.

Com a abertura do Caminho Novo, que seguia do Rio de Janeiro diretamente para as Minas, o tempo de viagem caiu drasticamente - para algo em torno de 10 a 17 dias dependendo da rota utilizada e do clima. Devido a esta diferença gigantesca de tempo utilizado, São Paulo lutou pela extinção deste novo caminho, mas as forças econômicas da metrópole falaram mais alto e o mantiveram.

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O comércio paulista praticamebnte faliu. Isto somente não ocorreu devido à descoberta de minas de ouro nas regiões de Goiás e Mato Grosso, locais que se tornaram praticamente "monopólios" de paulistas e incentivaram o crescimento desta Província.

As tropas de mulas saíam em direção das Minas Gerais provenientes dos mais diferentes pontos, mas para nosso estudo basearemo-nos principalmente nas rotas de comércio com o Sul da colônia, produtor de muares, e com as grandes feiras e concentrações comerciais de São Paulo.

Durante os meses de setembro e outubro, as tropas saiam do Sul devido ao regime de chuvas e portanto aos fáceis pastos durante o caminho, indo em direção norte rumo a Curitiba.

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Chegando a esta vila, muares e tropeiros ficavam enquanto os animais engordavam e aguardavam pelas feiras sorocabanas que aconteciam durante os meses de abril e maio.

Durante os meses de setembro e outubro, as tropas saiam do Sul devido ao regime de chuvas e portanto aos fáceis pastos durante o caminho, indo em direção norte rumo a Curitiba. Chegando a esta vila, muares e tropeiros ficavam enquanto os animais engordavam e aguardavam pelas feiras sorocabanas que aconteciam durante os meses de abril e maio.

Tal trabalho passou a ser um empreendimento de lucros altíssimos, muitas vezes maiores do que os dos próprios mineradores visto que estes dependiam dos tropeiros. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, houve em 1754 uma tropa que pode ser considerada a maior já registrada: 3780 mulas fizeram o percurso do Rio Grande do Sul às Minas Gerais.

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Estes lucros possibilitaram a ascensão social desta gente que passou a ostentar seus símbolos de riqueza e a gastar vultuosas quantias em cabarés, jogos e teatros além de ricos ornamentos para suas cavalgaduras. Os tropeiros são encontrados nas raízes de diversas famílias importantes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Tais homens passaram a serem respeitados por seu poder econômico e político, além de ter também se tornado "figura extremamente popular, o tropeiro, se no princípio da era mineradora teve qualquer cousa do antipático, pela especulação que fazia dos gêneros, aos poucos foi adquirindo, ao lado da função puramente econômica de abastecedor das Gerais, um papel mais social e simpático de portador de notícias, mensageiro de cartas e recados. Representava um verdadeiro traço de união entre centros urbanos afastadíssimos, levando de uns para outros as novidades políticas, as informações sobre as cousas de uso, correspondências, modas, etc " (ZEMELLA, 1990).

O centro produtor de muares

Inicialmente, a criação de mulas para carga se deu nas províncias hispânicas do Prata. Lá, havia já uma tradição na criação de tais animais visto que estes eram levados para os trabalhos nas minas de Potosí. Seguindo a tradição, o governo português utilizou-se disso para incentivar a ocupação de tão problemática região.

Disputada durante anos por guerras entre portugueses e espanhóis, após assinados os acordos de paz, o governo luso tratou de ocupar os terrenos dos atuais Estados do Sul. Assim, a criação de mulas, bois e cavalos em fazendas de núcleos familiares, mas de avantajados tamanhos, foi a solução ideal encontrada pelos governantes.

Conciliando tal necessidade, com a crescente procura por tais animais por parte da zona mineradora, foram criadas as condições ideais para o estabelecimento da cultura da pecuária nesta região. Sendo o ponto inicial das tropas, a mobilização na região começava nos meses de setembro e outubro, quando tais tropas subiam na direção norte aproveitando-se do regime das chuvas, que possibilitava a existência de excelentes pastos durante o caminho para os animais.

As grandes rotas

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"Cada ano subiam do Rio Grande do Sul dezenas de milhares de mulas, as quais constituíam a principal fonte de renda da região. Esses animais se concentravam na região de São Paulo onde, em grandes feiras, eram distribuídos aos compradores que provinham de diferentes regiões. Deste modo, a economia mineira, através de seus efeitos indiretos, permitiu que se articulassem as diferentes regiões do sul do país" (FURTADO, 1979).

Em 1733, passa a primeira tropa de mulas por São Paulo em direção às Minas Gerais. A partir desta data, este é um movimento incessante até aproximadamente 1875, quando as estradas de ferro finalmente suprimem o transporte por mulas nesta região do Brasil.

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Durante um século e meio, há uma grande linha de comércio juntando o Sul da colônias às Minas Gerais. É a linha de comércio paulista tropeira. Com ela, prosperaram diversas cidades. A principal, foi Sorocaba, com seu mercado de animais. Mas, fora ela, temos também Itapetininga, Cabreúva, Apiaí, Itararé, Avaré e tantas outras, assim como o desenvolvimento do porto de Santos.

Nos caminhos das frotas, aos poucos, foram instalando-se pequenas roças, estalagens e pastos que funcionavam como pontos de auxílio para tropeiros, viajantes de toda espécie e seus animais. Ao redor destes núcleos agregadores, surgiram diversas cidades e vilas.

Outra importante rota que, entretanto, não será estudada a fundo aqui, é a rota que liga São Paulo às minas de Goiás e do Mato Grosso.

Diferentemente do processo ocorrido com as Minas Gerais, nestas outras o relacionamento entre as regiões se deu principalmente por vias fluviais, com as chamadas monções.

Segundo Caio Prado Júnior, "A necessidade de abastecer a população concentrada nas minas e na nova capital, estimulará as atividades econômicas num largo raio geográfico que atingirá não somente as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro propriamente, mas também São Paulo. A agricultura e mais em particular a pecuária desenvolver-se-ão grandemente nestas regiões. (...) Nestas condições, os mineradores terão de se abastecer de gêneros de consumo vindos de fora" (PRADO JR, 1974).

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Decadência e renascimento

Tanto as Minas Gerais quanto São Paulo tiveram períodos de glória no século XVIII, decaíram e depois renasceram. Nas Minas, depois do final da era do ouro e dos diamantes, quando não mais era economicamente viável a extração do metal e da pedra preciosa, a região passou a se dedicar intensamente à agricultura e à pecuária.

Tais mudanças foram ocorrendo gradativamente de modo que não interferiram profundamente na ordem social vigente. À medida em que as lavras de ouro foram se fechando, o governo lusitano foi concedendo sesmarias com a obrigação da utilização na pecuária. Desta forma, após a decadência da mineração, a zona das Minas Gerais tornou-se um importante centro agro-pecuário do Brasil, apesar de suas "cidades históricas" não terem mantido a importância que tiveram e terem se estagnado econômica, política, social e culturalmente.

Já para São Paulo, foram duas as experiência traumáticas: a derrota na Guerra dos Emboabas, quando perdeu-se o domínio das Minas Gerais tão procuradas; e quando houve a abertura do Caminho Novo juntando diretamente as Minas Gerais como Rio de Janeiro.

Em ambos os casos, a população paulista manteve seu poderio econômico. São Paulo permaneceu sendo o entreposto entre as zonas criadoras e consumidoras de mulas, e também exerceu toda a influência que tinha perdido nas Minas Gerais sobre as minas de Goiás e Mato Grosso. No contato com estas zonas, existiu praticamente um monopólio paulista de comércio - via monções - e uso das lavras.

Posteriormente, com a decadência das minas goianas e mato-grossensses, São Paulo já havia conquistado o posto de principal centro econômico com a produção cafeeira e posteriormente com a produção industrial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a leitura de obras importantíssimas da historiografia brasileira e o estudo desenvolvido acerca das relações entre a produção de muares no Rio Grande do Sul com as Minas Gerais e São Paulo, via tropeiros, podemos chegar a algumas considerações finais.

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O intenso comércio gerado pelas tropas que se dirigem às Minas Gerais passa a formar pela primeira vez em nossa história um intercâmbio interno na colônia. Assim, a importância das tropas para a formação do Brasil foi fundamental para ligar e unir áreas tão distintas e tão distantes.

A mineração tornou também possível a criação de um centro dinâmico na colônia, onde as relações comerciais entre regiões muito distantes formaram uma teia de relações de interdependência onde mercado consumidor, centro produtor e centro de organização interna estão intimamente ligados.

Encerrando, gostaria de utilizar duas citações de diferentes autores que foram extremamente elucidativos para a composição deste trabalho: Mafalda P. Zemella e Celso Furtado.

"Pela primeira vez no Brasil apareceu intenso comércio interno de artigos de subsistência; a circulação dos gêneros obrigou à abertura de vias de penetração no sertão, à criação de um sistema de transportes, baseado no muar" (ZEMELLA, 1990).

"Por um lado, elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das terras e do rebanho. Por outro, fez interdependentes as diferentes regiões, especializadas umas na criação, outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais mercados consumidores. É um equívoco supor que foi a criação que uniu essas regiões. Quem as uniu foi a procura de gado que se irradiava do centro dinâmico constituído pela economia mineira" (FURTADO, 1979).

BIBLIOGRAFIA

ELLIS JÚNIOR, Alfredo: O ciclo do muar in "Revista de História", nº 1.

FAUSTO, Boris: "História do Brasil". Edusp, São Paulo, 1995.

FURTADO, Celso. "Formação econômica do Brasil", Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1979. 16ª Edição.

HOLANDA, Sérgio Buarque de: "Caminhos e Fronteiras". Cia. das Letras, São Paulo, 1995. 3ª Edição.

PRADO JÚNIOR, Caio: "Formação do Brasil Contemporâneo (colônia)". Brasiliense, São Paulo, 1996

PRADO JÚNIOR, Caio: "História Econômica do Brasil". Brasiliense, São Paulo, 1974. 17ª Edição.

ZEMELLA, Mafalda P.: "O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII". Coleção Estudos Históricos, Hucitec-Edusp, São Paulo,1990.

Autor: Gabriel Passetti

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