Mário Alino Barduni Borges
PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS DO TREINAMENTO
Para que possamos atingir os objetivos propostos ao iniciarmos um programa de preparação física, devemos ter em mente que toda elaboração necessita prioritariamente seguir determinados princípios científicos e que portanto não existe nenhuma “receita mágica” que atenda a todos os animais. Parâmetros e normas devem ser observados de acordo com o que preconizam os estudos realizados na área do Treinamento Desportivo e da Fisiologia do Exercício, que visam através do treinamento produzir certos fenômenos de adaptação ao interior do organismo e induzir a uma melhoria nos sistemas constituintes do animal, tais como cardiovascular, respiratório, etc.
Partindo-se desta premissa, faz-se necessário conhecermos estes princípios científicos que serão os norteadores de todo o processo da preparação física, a saber:
Princípio da Individualidade Biológica: Todo “indivíduo” é resultado da interação genotípica e fenotípica. Essa interação produz respostas diferenciadas, determinando a individualidade biológica e garantindo a produção de animais totalmente diferentes entre si.
Para o estudo específico deste princípio, devemos entender o Genótipo como a carga genética transmitida ao animal e que determinará fatores tais como: composição corporal, biótipo, altura máxima esperada, força máxima possível, aptidões físicas como consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.), percentual de tipos de fibras musculares, etc.
O Fenótipo, como sendo tudo o que é acrescido ou somado ao animal a partir do nascimento, sendo responsável por outras características: habilidades adquiridas, VO2 máx. apresentado, percentual observável real dos tipos de fibras musculares, potencialidades expressas (altura, força, etc.).
Além desses caracteres individuais, algumas características coletivas influenciam a formação da individualidade, assim sendo, a raça, a idade e o sexo também devem ser levados em conta.
Para facilitar a compreensão do assunto, pode-se dizer que os potenciais são determinados geneticamente, e que as capacidades e ou habilidades expressas são decorrentes do fenótipo.
Princípio da Adaptação: Para que se entenda este princípio, precisamos compreender o conceito de homeostase:
“Homeostase é o estado de equilíbrio instável mantido entre os sistemas constituintes do organismo vivo, e o existente entre este e o meio ambiente”.
A homeostase pode ser rompida por fatores internos, geralmente oriundos do córtex cerebral (ansiedade, angústia, fatores estressantes, etc.) ou externos (calor, frio, altitude, umidade relativa do ar, traumatismos, esforço físico, etc.), e sempre que ela for perturbada, o organismo dispara mecanismos compensatórios que procuram restabelecer este equilíbrio.
Desta forma, mediante a ação de um determinado estímulo, a resposta será diretamente proporcional à sua intensidade, conforme ilustra o quadro abaixo:
Os estímulos de intensidade forte e muito forte são denominados de stresses, e são os capazes de provocar adaptações ou danos no organismo desencadeando uma Síndrome de Adaptação Geral (SAG). Durante o treinamento o animal é submetido a três tipos de stresses: físicos, bioquímicos e mentais e estes, associados ao princípio da adaptação, é que permitiram a existência do treinamento desportivo.
Princípio da Sobrecarga: Imediatamente após a aplicação de uma carga de trabalho, há uma recuperação do organismo, visando a restabelecer a homeostase. Um treinamento de alta intensidade provocará a depleção das reservas energéticas orgânicas e o acúmulo de ácido lático e outros exsudatos metabólicos (CO2 , H2O e H+). O tempo necessário para a recuperação será proporcional à intensidade do trabalho realizado, portanto, a dosagem das cargas deverá ser programada de forma que o organismo consiga compensá-la e se preparar para sofrer um novo “desgaste” mais forte que o anterior.
Se a carga for muito forte, ter-se-á o início da exaustão, não sendo possível a recuperação metabólica em um espaço de tempo normal; caso não haja a aplicação de cargas de intensidade crescentes, ou seja, se as cargas forem sempre da mesma intensidade, o organismo tende a assimilar a carga aplicada, havendo uma discreta regressão na capacidade física, se esta for comparada com o nível alcançado logo no início do trabalho.
Princípio da Interdependência Volume / Intensidade: O aumento das cargas de trabalho é uma necessidade para que se obtenha uma melhora no desempenho. Este aumento pode se dar no volume (trabalho moderado / longa duração) ou na intensidade (trabalho intenso / curta duração). Na prática, a sobrecarga sobre o volume ou a intensidade se faz das seguintes formas:
A escolha da incidência de sobrecarga na intensidade ou no volume, respeitará dois critérios: a qualidade física visada e o período de treinamento.
Qualidades físicas de utilização por curto espaço de tempo (velocidade, resistência anaeróbica, força, etc.) requerem durante o treinamento uma grande ênfase sobre a intensidade em detrimento ao volume; o fenômeno inverso ocorre com as qualidades físicas de emprego prolongado (resistência aeróbica, resistência muscular localizada, flexibilidade, etc.).
Com relação ao período de treinamento, antes de analisarmos esta interdependência, faz-se necessário conhecermos as características especificas de cada um:
1 - Período Preparatório: Período do treinamento em que o animal será elevado à condição competitiva para a temporada em questão. Visa a incrementar o nível de eficiência física, técnica e psicológica para permitir a realização de performances máximas nas competições programadas. Dividi-se em duas fases: básica e específica.
1.1 - Fase Básica: Fase do treinamento em que o esforço primordial será o de criação de uma boa base física, técnica e psicológica do animal. Serão trabalhadas as qualidades físicas ligadas a modalidade em treinamento, complementada a formação corporal e aumentado o lastro fisiológico do animal.
1.2 - Fase Específica: Fase do treinamento em que será feita uma transferência das qualidades físicas, técnicas e psicológicas adquiridas para as necessidades específicas da modalidade em treinamento.
2 - Período de Competição: Período do treinamento no qual o animal, atingindo o peak de seu treinamento, realiza na competição-alvo a sua performance máxima.
3 - Período de Transição: Período do treinamento que se destina a proporcionar ao animal uma recuperação física e mental após os extremos esforços a que se submeteu nas competições que ocorreram no período anterior.
Agora podemos esclarecer que durante a fase básica do período preparatório o volume de treinamento tem uma grande preponderância sobre a intensidade e ao se iniciar a fase especifica a intensidade adquire preponderância sobre o volume. Esta preponderância se acentua durante o período de competição e se inverte no período de transição entre uma temporada e outra.
Princípio da Continuidade: Foi visto anteriormente que o treinamento desportivo baseia-se na aplicação de cargas crescentes que vão sendo progressivamente assimiladas pelo organismo, graças ao princípio da adaptação, e que portanto necessita de uma determinada continuidade para que possa vir a surtir os efeitos desejados. Dois aspectos ressaltam desse princípio: a interrupção do treinamento e a duração do período de treinamento.
A interrupção controlada do treinamento para fins de recuperação é benéfica e imprescindível para o sucesso do programa. Segundo DANTAS (1998), ela pode variar de poucos minutos até 48 horas, após as quais já haverá uma diminuta perda no estado físico, se não houver um novo estímulo. Pausas maiores que 48 horas só serão recomendadas face ao surgimento de um quadro de sobretreinamento, cujos principais sintomas são: aumento da freqüência cardíaca basal, diarréia, inapetência, irritabilidade, perda de peso, lesões musculares constantes, etc.
Com relação a duração mínima do treinamento, para se obter os primeiros resultados no desenvolvimento das qualidades físicas visadas, é necessário um mínimo de persistência nos exercícios, com o intuito de propiciar uma duração que permita ocorrer as alterações fisiológicas necessárias. No treinamento de qualidades físicas específicas, a duração mínima do período de treinamento irá variar em função da qualidade desejada e principalmente da individualidade do animal em assimilar a carga de trabalho aplicada.
Para um melhor entendimento, apresentamos a seguir algumas qualidades físicas em ordem crescente de duração do treinamento em relação aos resultados obtidos: força explosiva, resistência anaeróbica, resistência muscular localizada, resistência aeróbica e flexibilidade.
Princípio da Especificidade: É aquele que impõe que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da modalidade praticada, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizadas. Dessa forma, este princípio irá impor que o treinador, ciente do tempo de duração daperformance e de sua intensidade, determine com precisão a via energética preponderante e a conseqüente qualidade física utilizada, conforme demonstra o quadro abaixo:
OBSERVAÇÃO: O princípio da especificidade preconiza que além de treinar os sistemas músculo-esquelético e o cárdio-respiratório dentro dos parâmetros da prova que se irá realizar, fazê-los com o mesmo tipo de atividade da mesma.
Sob o ponto de vista dos aspectos neuro-musculares, dois componentes devem ser observados: O tipo de fibra muscular adequado à performance e o padrão de recrutamento das unidades motoras para a realização dos movimentos pretendidos. Durante o treinamento, deve-se solicitar os mesmos grupos musculares que serão executados na performance, bem como estimular o máximo possível os padrões de movimento necessários durante a realização da competição.
Sabendo-se deste fator, o treinador deve ter em mente que o treinamento, principalmente próximo à competição, deve ser estritamente específico, e que a realização de atividades diferentes das executadas durante a performance com a finalidade de preparação física, só se justifica se for elaborada com o intuito de se evitar a “saturação” tanto física quanto psicológica do animal.
* O autor é professor de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa, Árbitro de Marcha, Proprietário, Treinador e Instrutor de Equitação do CENTREQUE - Centro de Treinamento Eqüestre da Chácara Santa Rita, localizado na cidade de Viçosa / MG.
Equipe - Empório do Criador
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