Patrícia Borelli NORONHA; José Pedutti NETO; Vicente BORELLI
RESUMO
Estudando aspectos morfológicos de 38 pares de funículos espermáticos de jumentos da raça Pêga, observamos histologicamente que seus componentes encontram-se envolvidos por delgada cápsula de tecido conjuntivo denso, revestido pelo mesotélio, sob a qual se encontra o músculo cremáster interno, apresentando camadas distintas ou septado por tecido conjuntivo denso. Cápsula funicular e tecido muscular formam inúmeras pregas e algumas expansões, por vezes acompanhadas pelo tecido conjuntivo frouxo intervascular. Envolvendo a artéria e as veias funiculares, identificamos tecido conjuntivo frouxo rico em fibras elásticas e reticulares, com arteríolas, vênulas, nervos e linfáticos. O segmento da artéria testicular estudado possui trajeto sinuoso, túnica interna formada pelo endotélio e tecido conjuntivo, com destacada lâmina limitante elástica interna. A túnica média é formada por espessa camada de musculatura lisa, sustentada por rica e ordenada rede de fibras reticulares e escassas fibras elásticas, e a túnica externa, constituída por tecido conjuntivo denso, contendo fibras colágenas e elásticas, apresenta continuidade com tecido conjuntivo frouxo intervascular. Veias testiculares que envolvem a artéria testicular para formar o plexo venoso pampiniforme mostram calibre variável, túnica média desenvolvida, constituída por fibras musculares lisas, sustentadas por irregular rede de fibras reticulares e poucas fibras elásticas. Os segmentos das artérias testiculares dos funículos espermáticos possuem como comprimento médio, máximo e mínimo, respectivamente, 71,34 , 108,9 e 41,6 cm à direita e 68,78, 110,4 e 41,6 cm à esquerda, não apresentando diferenças estatisticamente significantes ao nível de 5%. O funículo espermático possui forma cônica, achatado látero-lateralmente, com base assentada sobre a margem epididimária do testículo.
UNITERMOS: Artérias; Jumento Pêga; Testículos; Veias.
INTRODUÇÃO
Considerando a importância do jumento da raça Pêga como montaria, força de tração e carga, e especialmente por seu papel de destaque na produção nacional de muares, procuramos subsídios para o melhor entendimento dos mecanismos relacionados à reprodução deste animal, estudando os componentes de seu funículo espermático, principais responsáveis pela termorregulação testicular, em especial os aspectos histológicos de seus envoltórios, de seus vasos arteriais e venosos, tecidos intervasculares e o comprimento do segmento da artéria testicular nele contida, bem como o arranjo destes elementos anatômicos.
MATERIAL E MÉTODO
Utilizamos nesta pesquisa 38 pares de funículos espermáticos de jumentos da raça Pêga, adultos, de idades diferentes e desconhecidas, procedentes de várias regiões do Estado de Minas Gerais e abatidos no Frigorífico Avante, Município de Araguari, MG.
Para a realização do estudo histológico utilizamos 4 pares de funículos espermáticos, logo após o sacrifício dos animais. Estes funículos foram seccionados transversalmente nas regiões proximal, média e distal e fixados em solução formol a 10% durante 72 horas, o material assim obtido foi encaminhado ao Laboratório de Anatomia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Após a desidratação, diafanização e inclusão em blocos de parafina, realizamos cortes de 6 µm de espessura de todas as peças, coradas posteriormente pelos métodos2 de hematoxilina eosina, tricrômico de Mallory, Gordon e Verhoeff, para ulterior análise e documentação.
Para o estudo do comprimento do segmento da artéria testicular contido no funículo espermático e seu arranjo vascular, isolamos 34 conjuntos constituídos pelos testículos, epidídimo, funículo espermático, escroto e a pele da região inguinal. Este material foi devidamente acondicionado em sacos plásticos, congelado e também encaminhado ao Laboratório de Anatomia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo. Deste material, 30 pares foram utilizados para medir o comprimento do segmento da artéria testicular, e, para tanto, após o descongelamento das peças, isolamos os testículos com os respectivos funículos espermáticos do escroto e da lâmina parietal da túnica vaginal, para canular e injetar com Neoprene látex 650* a artéria testicular imediatamente antes de esta ganhar o funículo espermático, submetemos então estas peças à técnica de corrosão, sob ação de solução de ácido sulfúrico a 30%, durante 72 a 96 horas, obtendo desta forma 60 modelos à custa de finos e controlados jatos de água, que foram então medidos em régua de madeira de 50 cm de comprimento com sulco de 3 mm de profundidade onde encaixamos este segmento arterial. Os resultados dessas medidas analisamos estatisticamente com auxílio de distribuição normal de probabilidade ao nível de rejeição de 5% (a = 5%). Nos 4 pares restantes do material estudamos o arranjo vascular do funículo espermático, sendo que após o descongelamento das peças, canulamos e injetamos solução de acetato de vinil (Solvent Vinyl ¾ VMCH ¾ B ¾ 1099)**, corando (Laca Nitrocelulose Molibidato)*** em vermelho a artéria testicular antes de esta ganhar o funículo espermático e em azul uma das veias localizadas na região ventral do órgão. Submetemos essas peças ao processo de corrosão, sob ação do ácido sulfúrico durante 72 a 96 horas e com auxílio de finos e controlados jatos de água isolamos os modelos.
Para a descrição dos resultados utilizamos o International Commitee on Veterinary Gross Anatonical Nomenclature17.
RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
No material que estudamos foi possível verificar que o funículo espermático do jumento da raça Pêga mostra-se envolvido por uma delgada cápsula de tecido conjuntivo denso, revestido por epitélio simples pavimentoso, o mesotélio, caracterizando a lâmina visceral da túnica vaginal. Logo abaixo desta cápsula encontra-se espessa camada de fibras musculares lisas (músculo cremáster interno) como observado em cavalos da raça Puro Sangue Inglês (PSI)20 e sem raça definida (SRD)18, fato citado também por alguns tratadistas4,9,16, porém segundo orientação de suas fibras mostra orientação diversa, apresenta-se constituída por camadas distintas ou surge septada pela invasão de tecido conjuntivo denso, que também aparece contornando agrupamentos musculares em forma de ilhas (Fig. 1), como acontece também em algumas regiões nos cavalos SRD18. O conjunto constituído pela cápsula funicular e pelo tecido muscular forma em toda a extensão do funículo inúmeras e amplas pregas desordenadas e irregulares (Fig. 2) e mesmo algumas expansões que, na maioria das vezes, também são acompanhadas pelo tecido conjuntivo frouxo intervascular, fatos que não ocorrem nos eqüídeos até então estudados18,20. Analisando estas ocorrências, podemos supor que a musculatura lisa subcapsular, bem como as pregas e projeções capsulares acompanhadas desta musculatura, estejam relacionadas nestes animais aos processos de facilitação do retorno venoso, responsável pela nutrição do testículo. Devemos ressaltar que em outras espécies até então estudadas não ocorre este tecido muscular liso subcapsular, existindo outros recursos que explicam o retorno venoso, procedente do testículo, como, por exemplo, a presença de válvulas no sistema venoso15,22 ou a íntima relação entre as veias e as artérias1,3,5,6,10,11,14,20,21 ou ainda um grande desenvolvimento da camada muscular das veias18,20 como pode também ser observado nos jumentos da raça Pêga. Considerando-se de outra parte que os diferentes componentes do funículo espermático podem sofrer influência térmica do meio ambiente, podemos ainda supor que o estado de contração ou de relaxamento das pregas pode controlar a possível influência da temperatura externa nas trocas térmicas que acontecem no funículo espermático, especialmente nestes animais, uma vez que estas pregas são acompanhadas por um tecido conjuntivo frouxo, de posição subcapsular.
No jumento da raça Pêga, não identificamos em posição subcapsular o tecido adiposo observado sob forma de pequenos acúmulos nos eqüinos PSI20 e SRD18 ou encontrado em algumas espécies11,21,22, representando um elemento de proteção e resguardo das trocas térmicas, permitindo-nos imaginar que o tecido muscular encontrado nos eqüídeos, por sua grande espessura, acompanhando ou não as pregas da cápsula funicular, represente igualmente um elemento de proteção em relação ao testículo e a influência da temperatura ambiente, desempenhando uma ação semelhante àquela já admitida para o tecido adiposo, porém entendemos que para a confirmação destas suposições seria necessária a realização de outras pesquisas de natureza experimental.
Nos jumentos da raça Pêga, encontramos, envolvendo a artéria e as veias funiculares, o tecido conjuntivo frouxo (Fig. 2) rico em fibras elásticas e reticulares, identificando-se também arteríolas, vênulas, nervos e linfáticos de calibres variados com lume amplo e parede delgada. A artéria testicular envolvida parcialmente pela rede venosa testicular aparece em cortes transversais de forma irregular em face do seu trajeto sinuoso; acha-se constituída de uma túnica interna formada por endotélio e delicada camada de tecido conjuntivo subendotelial. Possui uma túnica média espessa, predominantemente de tecido muscular liso, cujas fibras musculares orientadas circularmente encontram-se apoiadas em uma rica e ordenada rede de fibras reticulares e delicadas fibras elásticas. A túnica externa ou adventícia encontra-se formada pelo tecido conjuntivo frouxo intervascular, onde observamos fibras colágenas e elásticas, estas por vezes observadas alcançando as adventícias das veias localizadas ao redor das artérias.
As veias testiculares que constituem o plexo venoso pampiniforme aparecem ao redor da artéria testicular, envolvendo parcialmente este vaso. Estas veias apresentam calibres variados com diferenciada túnica média constituída de inúmeras camadas de fibras musculares lisas, apoiadas em desordenada rede de fibras reticulares e delicadas fibras elásticas, todavia estas veias são desprovidas de válvulas. A túnica adventícia confunde-se com o tecido conjuntivo frouxo intervascular, onde encontramos fibras reticulares e fibras elásticas em número reduzido, o que nos permite admitir que nesta espécie a presença destas fibras elásticas não representa fator preponderante para o retorno sangüíneo, como já foi admitido para os bovinos da raça Nelore22, caprinos da raça Bhuj Brasileira7, suínos21 e eqüinos PSI20.
O mesoducto deferente, bem individualizado, apresenta-se nos jumentos da raça Pêga como uma continuação da cápsula funicular, discretamente pregueada e acompanhada pelo músculo cremáster e surge revestida pelo mesotélio, correspondente à lâmina visceral da túnica vaginal. Envolvendo o ducto deferente, bem como os vasos e nervos que o acompanham, identificamos o tecido conjuntivo frouxo, observado em toda a extensão do meso. Assim, nos eqüídeos PSI20, SRD18 e nos jumentos da raça Pêga, o ducto deferente acha-se distanciado do funículo, diferentemente do que ocorre com os bovinos da raça Nelore22 e búfalos da raça Murrah11, cujo ducto ocupa posição intracapsular.
Os modelos obtidos com Neoprene látex 650 dos segmentos das artérias testiculares contidas nos funículos espermáticos revelam que nesta espécie este trato arterial possui como comprimento médio e valores máximo e mínimo, respectivamente, 71,34 cm, 108,9 cm e 41,6 cm à direita e 68,78 cm, 110,4 cm e 41,6 cm à esquerda (Tab. 1). Estas preparações mostram que da artéria testicular partem vasos destinados ao epidídimo. O estudo dos resultados agora obtidos revela não existir diferença estatisticamente significante ao nível de 5% quando confrontamos as médias correspondentes ao comprimento do segmento da artéria testicular encontrada no funículo espermático direito em relação ao esquerdo, porém quando comparamos a outros eqüídeos estudados por autores que utilizaram a mesma técnica, notamos que as médias encontradas para o jumento da raça Pêga são significantemente inferiores, sendo 102,9 cm e 105,8 cm nos eqüinos SRD18 e 130,3 cm e 129,4 cm nos animais PSI20. O mesmo ocorre em relação aos dados encontrados em outros trabalhos que indicam que os eqüinos possuem 100 cm de comprimento da artéria testicular3 ou 202 cm23. Acreditamos, neste caso, que estas variações estejam na dependência do fator racial e da idade do animal, mas não sob influência do meio ambiente.
No funículo espermático, a artéria testicular apresenta, nos jumentos da raça Pêga, trajeto sinuoso em toda a extensão, sem caracterizar comportamento que poderia sugerir qualquer tipo de arranjo harmonioso, como acontece nos suínos21 e como procuram caracterizar alguns autores que atribuem a este vaso forma espiralada19ou de novelo8. Cabe ainda destacar que nos jumentos da raça Pêga não ocorre nenhuma subdivisão do segmento funicular da artéria testicular como acontece nos eqüinos SRD18 e PSI20. Estas eventuais divisões da artéria testicular ao percorrer o funículo espermático, entendemos representar apenas variações anatômicas deste vaso, sem caracterizar fator de significância nas trocas térmicas.
Nos modelos realizados em solução de acetato de vinil, pudemos observar que o funículo espermático nos jumentos da raça Pêga possui forma de cone achatado látero-lateralmente, cuja base assenta-se sobre a margem epididimaria do testículo (Fig. 3). Este comportamento coincide em parte com as descrições dos autores que atribuem ao funículo espermático forma de pirâmide4, cone alongado10,23, cone vascular5,16 e com aspecto de funil14. Nestes modelos pudemos ainda notar que a artéria testicular irregularmente disposta encontra-se envolvida parcialmente pelo plexo venoso pampiniforme, formado à custa da confluência das veias testiculares na base do funículo espermático, caracterizando disposição adequada às trocas térmicas. Nestas preparações nota-se que a nutrição do epidídimo faz-se por vasos dependentes da artéria e veias testiculares.
Acreditamos como alguns autores1,11,12,13,15,22 que o trajeto sinuoso e a grande dimensão apresentada pelo trajeto da artéria testicular ao percorrer o funículo espermático representa fator indispensável não apenas para ocorrência das trocas térmicas como também para a diminuição da pressão arterial.
Fonte: Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci. vol.38 no.5 São Paulo 2001