Ao calcularmos os nutrientes fornecidos pelo alimento oferecido aos cavalos, devemos lembrar que a dieta deve ser composta de volumosos (capins, fenos) e concentrados (rações, grãos). Às vezes, os teores de nutrientes dos volumosos, e a variação dos mesmos de acordo com tipo de gramínea, ou mesmo numa mesma gramínea de acordo com a época do ano, não são levados em conta na formulação de um arraçoamento equilibrado. Comprar uma “ração 12% de proteína” não significa que o cavalo estará comendo o equivalente a 12% de proteínas em sua dieta total, mas sim que, a cada quilograma de ração fornecido, o animal está ingerindo 120 g de proteína bruta. Devemos levar ainda em consideração, a qualidade desta proteína que está sendo oferecida, pois é esta qualidade que determina o valor nutricional, em aminoácidos, deste ingrediente.Acima de tudo, o concentrado precisa ser considerado complemento nutricional do volumoso, e não o inverso.
Simplificando – a ração fornece os nutrientes nos quais o pasto e o feno são deficientes – portanto, os eqüinos precisam comer o máximo possível de volumoso. O concentrado deve ser pouco, de boa qualidade e bem equilibrado nutricionalmente. Infelizmente, há em nosso país uma tendência a tentar compensar deficiência de volumoso aumentando o concentrado, bem como de achar que “muito” concentrado de qualidade inferior é melhor para os cavalos do que uma quantidade menor de ração de ótima qualidade.
Assim, ao utilizarmos volumoso rico em proteína (ex.: feno de alfafa, guandú), o complemento deve ser de baixo teor protéico. Para cavalos de esporte, não recomendo volumoso com valor protéico acima de 10-11%, pois fica difícil equilibrar a dieta.Há um “mito de proteína elevada”, onde se considera que alimento bom é aquele com valor protéico elevado. Ração com 15% de proteína é recomendada para éguas em reprodução e potros entre 18 e 36 meses de idade. Outras categorias não têm necessidade deste valor protéico na ração. O trabalho muscular é condicionado ao consumo de energia, e não de proteína. Comparativamente, o cavalo de esporte necessita de cerca de 10 a 20% a mais de proteína que um cavalo em manutenção, e 50% a menos que uma égua em reprodução. Portanto, ao se escolher a melhor dieta para o cavalo, devemos priorizar alimentos energéticos e não protéicos. Proteína, somente em qualidade, com pouca quantidade.Em relação à energia, o cavalo de esporte e trabalho tem uma necessidade energética de 25% a 100% acima do cavalo em manutenção (depende da intensidade do trabalho).
A égua em reprodução, do 1º. ao 8º. mês tem necessidade energética semelhante ao cavalo em manutenção. No 9º. mês esta necessidade se eleva em 10%, no 10º. mês em 13% (em relação à manutenção) e se eleva em 20% em relação à manutenção no 11º. mês.No estado de São Paulo, costuma-se recomendar feno de tífton e coast-cross para cavalos de esporte.
Estes fenos têm sido encontrados, especialmente nos meses de primavera, com valores superiores a 13-14% de proteína, análise feita e comprovada, e muitas vezes exigida pelo proprietário do cavalo. Neste caso, o teor é praticamente equivalente ao de leguminosas (alfafa). Ou seja, os problemas derivados do fornecimento excessivo de proteína (como no caso do uso intenso da alfafa) continuam com um feno deste tipo, ainda que seja de gramínea. As necessidades em proteína e energia são variáveis conforme a categoria animal e devem ser oferecidas de forma a suprir a necessidade do animal, sem deficiências nem excessos. Em termos nutricionais, temos 05 categorias de animais com necessidades diferenciadas, com 11 sub-categorias: Animais em Manutenção, Éguas em Reprodução (Gestação – do 1º. ao 8º. mês e terço final - e Lactação), Potros em Crescimento (Desmame aos 18 meses e dos 18 aos 36 meses de Idade), Garanhões em Monta (Leve, Média e Intensa) e Cavalos de Trabalho (Leve, Médio e Intenso).O manejo moderno de cavalos reproduz um problema muito comum da alimentação humana: ao mesmo tempo em que mundo afora milhões de pessoas não têm o que comer, a epidemia de obesidade ameaça se tornar a doença mais difundida no primeiro mundo. De maneira semelhante, muitas pessoas dispostas a investir no trato de seus animais acabam alimentando-os de maneira excessiva ou desequilibrada, originando uma série de distúrbios desde crônicos até super-agudos, sempre encabeçados pela nossa tão temida cólica. O cavalo tem capacidade de digerir, sem muitos problemas, até 30% de nutrientes além de suas necessidades. Isto vale tanto para energia como para proteína, considerando a dieta total, isto é, tudo aquilo que o cavalo ingere ou recebe em um período de 24 horas. Dietas que oferecem, diariamente, uma quantidade superior a isto podem causar desequilíbrios e levar a problemas desagradáveis.A digestão das rações, grãos e maioria dos suplementos ocorre no estômago e nas porções iniciais do intestino delgado. A capacidade volumétrica do estômago do cavalo é de cerca de 9% do volume possível de seu aparelho digestivo, ficando o Intestino Delgado (ID) com 21% (possui cerca de 20 m de comprimento) e o restante, 70%, é a capacidade do intestino grosso (IG) (ceco e cólon). O estômago e ID realizam uma digestão essencialmente enzimática e o IG uma digestão microbiana. Devido à baixa capacidade volumétrica do estômago, e mesmo do ID, o tempo que o alimento fica sofrendo o processo digestivo é relativamente curto, suficiente para uma dieta em que não haja excesso de concentrado. Quando a dieta é muito rica em grãos, o amido existente nestes grãos não é digerido totalmente nas porções iniciais do aparelho digestivo, indo parar no intestino grosso, onde sofrerá um processo de digestão microbiana. O que antes era enzimático, com ótimo aproveitamento pelo animal para suprir suas necessidades, passa agora a ter ação da microbiota natural.Porém, já que os microorganismos não são “habituados” a lidarem com amido (sendo sua função digerir os carboidratos simples presentes nos volumosos), o processo digestivo passa a ter um componente fermentativo com diversas conseqüências, tais como: * timpanismo por produção excessiva de gases;* diarréias (cavalos que ingerem excesso de óleo e energia possuem fezes mais amolecidas, o que leva à perda de nutrientes e água);* o excesso de gordura saponifica o magnésio, tornando-o indisponível ao organismo, levando a problemas neurológicos e musculares (o magnésio é calmante do sistema nervoso e responsável pelo relaxamento da musculatura);* queda do tônus digestivo levando a contrações e possíveis cólicas;* dilatação do ceco, pelo excesso de gases, levando a cólicas;* degeneração cardíaca, hepática e renal;* e, A MAIS IMPORTANTE DE TODAS: DISMICROBISMO. O dismicrobismo é uma perturbação da flora intestinal, levando a desequilíbrios, com conseqüente diminuição na absorção dos nutrientes, quadros de hepatotoxemias, e, pior de tudo, cólicas e laminites (ou aguamento). O processo ideal de alimentação do cavalo é aquele que mais se aproxima de sua natureza.Em liberdade, com livre acesso aos alimentos volumosos, o cavalo se alimenta por 15 a 18 horas diárias. Somente com feno, este tempo cai para 7 a 8 horas, e se priorizarmos o fornecimento de ração concentrada, este tempo cai para 1 a 2 horas por dia, com conseqüentes distúrbios comportamentais e físicos.Quando fica muito tempo ocioso, sem ter o que comer, o cavalo passa a ter problemas comportamentais com vícios como a pica, isto é, ingestão de substâncias não comuns a sua dieta, como areia, fezes, borracha, porta da baia, etc., Além de aumentar os riscos de cólicas, e alterações em seu humor, ficando mais irritadiço. Claro que a prevenção para isso não é dar comida demais para o cavalo, mas sim de forma equilibrada, priorizando o volumoso e os alimentos energéticos, além de adequar o manejo a esta condição, soltando mais o cavalo, trabalhando-o de forma adequada, etc.Quanto à adequação do manejo, quanto mais fracionarmos o alimento no momento de o darmos ao cavalo, melhor será sua absorção, isto é, se preciso dar 4 kg de ração, e puder oferecer em 04 refeições, o resultado será muito melhor do que se dividir em 02 ou mesmo se der em uma refeição somente. Além disso, quanto mairo for a quantidade de alimento concentrado oferecido de uma só vez, maior será o risco de cólica. Não devo jamais ultrapassar 2,5 kg de ração em uma única refeição (base para um cavalo de 500 kg; cavalos menores, menor quantidade por refeição) sendo ideal trabalhar na faixa de 1,5 kg a 2,0 kg por refeição.Da mesma forma, devo tomar cuidado na adaptação a um novo tipo de alimento. Como já falado no início, a digestão do cavalo é de duas formas, enzimática e microbiana. Cada vez que for introduzir um novo tipo de alimento na dieta do cavalo, devo fazê-lo de forma gradativa, para que a flora intestinal possa se adaptar a este novo tipo de alimento. Esta adaptação deve durar no mínimo 15 dias, podendo se estender até a 30 dias caso necessário. Isto é necessário para se prevenir problemas de cólicas, por exemplo. Por este motivo, é que somente devo modificar a dieta de meu cavalo, modificando drasticamente o volumoso ou concentrado, quando houver disponibilidade de tempo para que meu cavalo se adapte a este novo alimento, caso contrário, corro o risco de queda na performance dele no meio de um campeonato, por exemplo.Também é preciso muito cuidado na escolha de uma marca comercial de ração. A presença de aveia e milho não torna uma ração apta a ser recomendada para cavalos de alta performance. É importante considerar os níveis de garantia do produto, indicados no rótulo, além é claro da confiabilidade da empresa que a produz. Hoje mais que nunca, as aparências das rações enganam muito. Beleza, aparência, não quer dizer qualidade, e é isso que o cavalo precisa, seja de esporte, criação ou somente lazer.
André Galvão CintraMédico Veterinário
Fonte: Equitação Especial
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