Uma vez por ano, eles percorrem cerca de 400 km.
O percurso paulista é o mesmo feito há 300 anos
Grupo de cavaleiros resgata a cultura da tropeada
no interior de São Paulo.(Foto: EPTV)
Um grupo de cavaleiros do interior paulista mantém viva a cultura do tropeirismo, uma atividade econômica que começou no século XVIII. O tropeirismo influenciou o desenvolvimento de várias regiões do país, incluindo o estado de São Paulo.
Regiões de Itapetininga (SP) e Sorocaba (SP) foi criado o projeto ‘Caminho das Tropas’. O objetivo é resgatar a história. De acordo com o vice-presidente da Tropeada, Paulo Campos Leite, em 2012 será realizada a 7ª edição do evento, que acontece no mês de maio.
O grupo de cavaleiros de várias cidades do interior paulista se reúne na cidade de Itararé (SP), na divisa com o Estado do Paraná, e seguem em cavalos, mulas e burros até a cidade de Sorocaba (SP). “É uma tentativa de resgatar a cultura dos tropeiros, muito importante para o interior de SP. A partir da década de 1730, os tropeiros saiam do estado de São Paulo e seguiam até o sul, onde compravam as mulas, burros e cavalos, e voltavam até Sorocaba para barganhar nas feiras que ali tinham. Não havia estrada, nem pontes. O percurso era muito difícil e eles vinham pelo meio do mato, fazendo picadas (abrindo trilha) e construindo novos caminhos", explica Paulo. O organizador da Tropeada conta que as tropas traziam cerca de 1,5 mil animais para vender em Sorocaba.
Ainda de acordo com o ‘tropeiro’ Paulo Leite, compradores de várias partes do país iam até Sorocaba para adquirir os animais. A maior demanda era para o Estado de Minas Gerais, quando começou o garimpo do ouro, e não tinha como escoar a produção. Mas as tropas também foram responsáveis por transportar muitas riquezas do país, como café, arroz, feijão, algodão, entre outros produtos, durante suas viagens, o que favoreceu o desenvolvimento de muitas cidades e regiões. "Foram as mulas que transportaram as riquezas do país. Na época não existiam caminhões, muito menos estradas. As mulas eram como caminhões, e Sorocaba, como se fosse a concessionária", brinca Paulo.
Ele, que se diz um apaixonado pela cultura tropeira, comenta que muitas cidades foram criadas por causa dos tropeiros. Algumas cidades se formaram pela necessidade dos tropeiros precisarem parar e descansar. Nesses locais, foram se formando alguns vilarejos e, logo depois, viraram cidades. “As cidades que ficam na rota da tropa têm distância entre 30 e 50 km. Trecho que os tropeiros geralmente percorriam por dia", relata. O historiador diz que até a década de 1950 ainda existiam tropeadas.
Paulo afirma que a cultura tropeira ainda é cultivada, mas apenas por famílias que têm raízes nesta parte da história. Para ele, o progresso está abafando a história do país. “Não tem muito incentivo por parte do poder público, o que reflete na população, que acaba não se interessando. Hoje em dia, não dá para andar a cavalo nas ruas. As pessoas xingam, buzinam... Em uma cidade com mais de 80 mil moradores, as pessoas não aceitam os cavaleiros. Foram os tropeiros que abriram as estradas e hoje não podemos passar de cavalo por elas", lamenta.
7ª Tropeada
Os cavaleiros sairão de Itararé, no dia 18 de maio, e passarão por várias cidades, entre elas, Itaberá, Itapeva, Taquarivaí, Buri, Itapetininga, Alambari, Capela do Alto, Tatuí, Boituva, Iperó, Araçoiaba da Serra e finalizando em Sorocaba, com chegada prevista para o dia 26 de maio, com desfile da tropa no dia seguinte.
São cerca de 400 km percorridos. A saída deve acontecer com 150 cavaleiros de cidades da região de Itararé e, durante o percurso, outros grupos irão se juntando a eles, vindos de outras cidades do interior paulista, como Botucatu, Porangaba, Guareí e Cesário Lange, e a chegada, deve estar em torno de 400 cavaleiros.
São aguardadas mais de 3,5 mil pessoas no desfile que acontece no último dia, em Sorocaba, celebrando a semana do Tropeiro.
Tropeiros de hoje
Para muitos que participam da tropeada, o evento já faz parte da agenda pessoal. Tem gente que até programa as próprias férias para poder participar. É o caso de José Vicente Amâncio, 47 anos, que trabalha como motorista na Prefeitura de Tatuí (SP). Ele diz que este será o sexto ano em que participará da tropeada. "Só não fui na primeira edição", enfatiza. José diz que, sempre que tira férias, já deixa 10 dias reservado para poder tirar em maio, mês em que é realizado o percurso. "Não tenho problemas. Eu já deixo avisado no trabalho que quero alguns dias de férias para participar. Meu chefe concorda e até apoia", ressalta.
José é neto de tropeiro, por isso, vê a importância de manter a cultura viva. "Meu avô chegou a ir pro sul buscar animais para vender em SP. Eu fui criado no sítio, meu pai sempre teve charrete e carroça. Adoro essa vida", afirma.
O motorista conta que é um dos responsáveis em manter o grupo bem alimentado. Ele é um dos cozinheiros da tropa. "Durante o percurso, nós dormimos em algumas fazendas. Geralmente, os fazendeiros oferecem o jantar para a tropa. Mas o almoço temos que fazer. Eu cozinho para umas 30, 40 pessoas". O cozinheiro conta que leva um fogão industrial, churrasqueira, disco de arado e panelas. Tudo para manter a força do grupo, mas os utensílios são carregados em carros de apoio.
Os aventureiros passam por muitas situações, como frio, chuva, sol, mas a boa companhia entre amigos faz valer a diversão, como conta o outro cavaleiro de Tatuí, Pedro Paes de Camargo, de 43 anos. Ele também tem uma função no grupo. É ferreiro na cidade e leva o ofício para o trajeto. O ferreiro diz que já está trabalhando mais para adiantar o serviço para conseguir folgar a semana do passeio. Ele garante que é bastante solicitado durante a tropeada. "Como trabalho por conta, consigo deixar o trabalho por alguns dias, mas acabo trabalhando durante o percurso. No entanto, faço com gosto”, declara.
O homem ressalta que está indo para sua quarta participação. "É muito bom. A gente faz novas amizades, vem conversando, fazendo barganha (trocando objetos), contando piadas e histórias".
Também neto de tropeiro, relata que seu avô chegou a fazer negócios com mulas em Sorocaba. Ele conta que em Tatuí, por conta da cultura do interior, tem muitos animais, por isso, tem bastante serviço para ele. Ele comenta que existem seis ferreiros na cidade. Perguntado se gosta dessa vida, ele responde "não gosto, amo. Além de trabalhar de ferreiro, também faço negócios com animais".
Pedro também acha que a cultura está um pouco esquecida. Ele já percebeu que os jovens de hoje estão mais preocupados com seus vídeos games ou internet, do que cavalos. "Dá muito trabalho, tem que cuidar do animal, dar água, banho, cortar capim. Eles não querem isso. Meu filho, de 20 anos, nem liga. Minha filha também não, mas consegui fazer meu netinho, de seis anos, gostar de cavalos. Fico feliz em saber que alguém da nova geração vai gostar dessa cultura", diz.
Segundo os tropeiros entrevistados pelo G1, muitas crianças participam da festa. Até as mulheres estão acompanhando. Segundo os organizadores, as mulheres estão aumentando a representação. De cada 100 cavaleiros, 15 são mulheres. "Isso é bacana. A família está participando. Ficamos até triste quando chegamos em Araçoiaba da Serra, porque sabemos que já está acabando o passeio", comenta o motorista/cozinheiro José Amâncio.
Fonte: Eduardo Ribeiro Jr. Do G1 Itapetininga e Região
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